Crítica escrita por Edeizi Monteiro Metello.
Sinopse: Quando a busca por sua origem o leva à pampa profunda, o diretor do documentário descobre um bioma pouco conhecido, recentemente reconhecido e que apresenta mais da metade de sua área nativa destruída. Então, sua procura passa pela descoberta de um bioma singular e seus habitantes, num mosaico entre os povos originários, comunidades quilombolas, pecuaristas familiares, assentados da reforma agrária e empresários rurais, que o fazem compreender a urgência da preservação e o fortalecimento da consciência ambiental, essenciais para a nossa sobrevivência.
O documentário Sobreviventes do Pampa (2023, Rogério Rodrigues) tece uma narrativa a partir da busca familiar do diretor em relação a suas origens, demarcada pelo. O bioma então é apresentado por seus habitantes, como povos originários, comunidades quilombolas, pecuaristas familiares, entre outros, explicando a importância do Pampa, seu histórico, como ele está atualmente e como o que restou poderia ser preservado.
Um aspecto convidativo do documentário é como a atmosfera do bioma é construída. Longos planos contemplativos e música instrumental, somada a sons naturais, como pássaros, transportam o espectador para dentro dos campos no Rio Grande do Sul.
Essa atmosfera é reforçada pelo ambiente dos entrevistados, que estão sempre em cadeiras ao ar livre e conversando tranquilamente com o diretor. O espectador pode se conectar muito facilmente com os entrevistados, principalmente em momentos que eles contam sobre suas trajetórias familiares e experiências de vida.
A transição da vida pessoal para a compreensão do bioma é suave e acolhedora. É fácil de entender como o Pampa faz parte tanto da vida do diretor, como dos entrevistados.
As explicações sobre o bioma e como as pessoas envolvidas cuidaram e podem cuidar dele também são inteligíveis. Não é difícil de entender, por exemplo, a origem de hábitos gaúchos como a faca amarrada nas costas, ao invés de na frente.
O documentário ganha ainda mais importância por discutir de forma tão acessível a preservação de um bioma que é essencial para o ecossistema.
É interessante descobrir e ver a cultura gaúcha e como ela é composta por diferentes povos que habitaram e habitam o estado sulista. A forma com que os entrevistados aparecem vai tecendo uma complexa, mas coerente, rede de pessoas que contribuíram e contribuem para o Rio Grande do Sul.
As cores sempre remetem à natureza, com tons de marrom e verde, o que é repetido em muitos casos pelos entrevistados com suas roupas. Objetos como cadeiras também seguem a mesma paleta de cores.
A performance de Neto Fagundes e Ernesto Fagundes também traz um aspecto aconchegante ao documentário, principalmente por ocorrer ao pôr do sol em uma contraluz que remete ao sentar-se na varanda da fazenda após um dia longo de trabalho.
A obra é um ótimo convite ao espectador para conhecer o que está em jogo em relação à preservação do Pampa. A diversidade de profissionais e suas respectivas histórias trazem uma boa reflexão ao assunto.
Existem momentos em que a obra endereça preocupações comuns relacionadas à proteção do meio ambiente, como o uso de agrotóxicos. Seria engraçado, se não fosse triste, quando em determinado momento comenta-se sobre o uso de agrotóxicos e como o uso está limitado à sua concentração, e que uma pequena dose “não é veneno”, sendo que, logo em seguida, entrevistados falam sobre os prejuízos relacionados ao uso de agrotóxicos em lavouras próximas às casas onde as pessoas moram, e como até mesmo as águas estão contaminadas de forma irreparável. Esse trecho é curioso e remete ao mesmo argumento de profissionais do agronegócio, repetido em outras regiões e biomas do Brasil, o que faz com que a obra ganhe um caráter muito mais amplo.
O documentário também traz urgência sem apelar para o emotivo. É preocupante que um bioma tão rico seja tão desconhecido, com poucas espécies documentadas, por exemplo. Ao mesmo tempo, a obra possui um caráter ativista e que convida para a organização, pois até mesmo quem está vendo de fora consegue ver que há algo que pode ser feito. Mesmo este bioma sendo muito explorado, a própria exploração se perderá sem a preservação necessária.