Crítica escrita por Edeizi Monteiro Metello.
Sinopse: Julien é professor em um colégio. Jovem e dedicado, ele tenta criar um vínculo com sua turma, dando atenção especial a alguns alunos, incluindo a tímida Leslie. Esse tratamento diferenciado é mal interpretado por alguns alunos, que começam a suspeitar das intenções do professor. Julien é então acusado de assédio. O boato se espalha rapidamente, e tanto o professor quanto a aluna se veem presos em uma situação delicada. Mas diante de uma escola que corre o risco de pegar fogo, só há uma palavra de ordem: sem tumulto…
Baseado na história real do diretor, Teddy Lussi-Modeste, O bom professor (2024) retrata uma série de acontecimentos ocorridos a Julien Keller (François Civil), um professor que se dedica a trazer a melhor experiência possível para seus alunos, mas acaba sendo alvo de denúncias caluniosas, que se escalam em uma situação incontrolável à custa de sua própria sanidade.
O filme é uma sinfonia para o desastre do personagem principal. Embalado pelo terceiro movimento do concerto nº 2 em Sol menor “L’estate” (Verão) de As quatro estações de Antonio Vivaldi, utilizado na trilha sonora em momentos pontuais, mas certeiros, não há qualquer indicativo de que as situações mais do que melhorem momentaneamente para os envolvidos.
Desde o início, é inevitável não sentir simpatia pelo tragicamente bom professor, Julien. Extremamente dedicado à vocação, não se dobrando diante das dificuldades e realmente querendo que seus alunos se tornem mais do que excelentes nos estudos de francês, mas cidadãos exemplares, o protagonista inspira muito, porém está preso em um mundo moralmente cinza, com pessoas voláteis, voltadas para o próprio ganho, muitas vezes preconceituosas e ocasionalmente indisponíveis.
O filme surpreende no andamento dos conflitos. Dados os devidos respiros após momentos de tensão, não deixa de explorar que o mundo real não é tão razoável como poderia ser, e como tudo pode sempre piorar.
Os personagens demonstram, através de situações e palavras, o quanto uma pessoa, por mais que seja boa ou aja de forma correta, ainda pode ser prejudicada e punida por outras ou por um sistema que não está disposto a ouvi-la, como quando Julien tenta conseguir uma ordem de restrição em relação ao irmão mais velho de Leslie (Toscane Duquesne), mas não consegue.
Também vale destacar que a obra reflete situações de bullying que não se encaixam no conceito comum que ocorre na escola entre as crianças, apesar de esta ser uma das ocorrências de bullying na narrativa. Julien sofre nas mãos de seus próprios alunos, que através da quantidade de pessoas e contatos estratégicos, conseguem intimidá-lo e traumatizá-lo, mesmo ele não tendo parte no grande rumor que permeia a trama.
O filme também revela falhas estruturais relacionadas ao ambiente dos personagens que tornam a situação ainda pior para todos os envolvidos. Leslie não seria compelida a fazer a denúncia falsa se não fosse manipulada pela colega Océane (Mallory Wanecque). Leslie também não manteria sua acusação se não estivesse passando por uma situação de violência doméstica.
É interessante notar o uso da cor vermelha em momentos de tensão, ou momentos que algo impactante vai acontecer. O vermelho sempre está na roupa de algum personagem, como uma camisa ou casaco, ou no fundo, em uma porta, quando a tensão está crescente e prestes a explodir, como o violino no terceiro movimento do concerto nº2 em Sol menor (Verão) de Vivaldi, que fica cada vez mais rápido e cada vez mais alto.
O filme também tem características pertencentes à tragédia. O professor Julien não é somente bom, mas também íntegro, como um herói. Sua grande “falha” foi ter aspirações maiores, com a intenção de transformar a vida de seus alunos e ser a pessoa responsável por isso. Assim como um herói trágico, ele foi punido pela sequência formidável de eventos em sua vida que o levou à loucura. Devido a essas características, acompanhar o protagonista em sua trajetória pode ser tanto extremamente incômodo como fascinante.
Por isso a obra é capaz de prender a atenção de quem assiste. Ao mesmo tempo que tudo parece fadado ao fracasso, os momentos de pausa, como quando Julien prende a atenção da classe em mais uma explicação etimológica, são capazes de criar esperança o suficiente para levantar a dúvida de que, talvez, Julien saia de mais uma enrascada. Quando a tensão escala e mais problemas são colocados em jogo, como a orientação sexual de Julien sendo revelada, e as recorrentes ameaças de morte do irmão de Leslie, é impossível não olhar e esperar pelo que vai acontecer em seguida.
A pressão causada por Océane e seus aliados, também colegas, levam à própria estrutura da escola se tornar um ambiente hostil. As caçambas de lixo pegando fogo, apesar de não ter aparente responsável, sendo implicado que foi Océane ou seus aliados, são também uma representação do mundo interno de Julien ruindo. Naquele momento, ele já tinha até explodido para cima de pessoas que ama, e ele já não via mais saída para seus problemas. O destaque da cena para sua descida pelas escadas só prolonga o seu sofrimento.
Como se trata de uma história baseada em acontecimentos reais, é impossível não refletir sobre a situação dos professores na França, mas que também pode ser sobre eles em outros lugares no mundo. A obra abre espaço para discutir sobre a vulnerabilidade dos professores no ambiente de trabalho. E essa é uma ótima função de obras audiovisuais, que instiga debates e fazem comentários sobre situações reais, como bullying, ameaças e LGBTfobia.
O filme acabar de forma agridoce também é uma forma de provocar discussões. Julien foi mudado para sempre pelas perseguições que sofreu, e acaba sozinho, chorando em sua sala. Mas isso não muda sua natureza livre e dançante, com a retomada da cena em que dançou em uma festa com seu parceiro, Walid (Shaïn Boumedine). A sua felicidade em sua dança traz à tona o absurdo de tudo que ele passou, e traz esperanças em meio à amargura, abrindo possibilidades de que, um dia, a situação dos professores possa mudar para melhor.