O trem que vai e vem pela estação metaforiza a situação de Dona Almerinda (Teca Pereira) e sua doença que percorre todo o filme. A edição que intercala o transporte e a senhora que sofre de Alzheimer diz não só sobre a memória que se perde na trilha da consciência, como também da reflexão sobre a vida e seus processos. Nesse contexto, Kasa Branca, conta de Dé (Big Jaum) cuidando de sua avó Almerinda, ao mesmo tempo que sobrevive com a ajuda de seus amigos Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco).
O filme vem na direção do experiente Luciano Vidigal, que já estrelou e dirigiu vários longas brasileiros, que incluem 5X Favela: Agora por Nós Mesmos e o documentário Cidade de Deus – 10 Anos Depois. Conquistando quatro prêmios no Festival do Rio – que incluem Melhor Fotografia, Ator Coadjuvante, Trilha Sonora e Diretor – a primeira ficção do cineasta traz a melancolia da cotidianidade, mas que carrega junto faíscas de humor e descobrimento.

Ainda que seja baseado em uma história real, a primeira direção solo de Luciano traz a banalização da riqueza como forma de confortar o luto e a marginalização das pessoas. Se a câmera se afasta no momento em que a funcionária do posto de saúde diz que a situação de Almerinda piora e vai embora da casa, a trilha que mescla elementos da música popular brasileira e de ritos tradicionais evoca uma resistência e dramaticidade que se encontram justamente no retrato simples, mas potente. Mesclando atores iniciantes com consagrados, como Renata Rodrigues, Babu Santana e a própria Teca Pereira, a mensagem consegue ser melhor feita pelos conflitos paralelos dos personagens perante a história principal. A veterana Teca emociona em todos os instantes como a frágil senhora que responde o neto apenas com gemidos de um corpo que um dia já mostrou alegria, vivacidade e muita memória pra contar. O humor aqui aparece não somente como um suspiro em meio ao caos de uma vida conturbada, mas também na resistência de dizer que todos estão no mesmo barco, ou melhor, no trem que sempre segue a próxima estação, ou simplesmente nas coisas da vida.
Assim, não é fácil para Dona Almerinda que está partindo. Por outro lado, quem fica também sofre e carrega seu próprio fardo. A mensagem que fica é a força da família, do coletivo e a celebração da existência.