Crítica por Renata Serra.

Sinopse: Após a morte inesperada do atual pontífice, o Cardeal Lawrence é encarregado de conduzir esse processo confidencial. Os líderes mais poderosos da Igreja Católica de todo o mundo se reúnem nos corredores do Vaticano para participar da seleção, cada um com suas próprias ambições. Lawrence se vê no centro de uma conspiração, desvendando segredos que ameaçam não apenas sua fé, mas também as fundações da Igreja.

Conclave, thriller político vencedor do mais recente Globo de Ouro de roteiro, é uma adaptação cinematográfica do livro de mesmo nome de Robert Harris. Enquanto os cardeais se reúnem para eleger o novo líder da Igreja Católica sob o comando de Thomas Lawrence (Ralph Fiennes), segredos e conspirações colocam em risco as fundações da instituição religiosa, a pureza exigida para realizar o conclave e a fé de alguns de seus membros. Ao acompanhar um cenário não muito desenvolvido no cinema, aparecendo em obras mais singelas como Dois Papas ou mais bagunçadas como O Código Da Vinci, Conclave torna-se uma obra interessante com conflitos envolventes sobre o que acontece dentro das quatro paredes durante um dos mais importantes processos de votação do mundo. Com um elenco de peso de nomes como Ralph Fiennes, Stanley Tucci, John Lithgow e Isabella Rossellini, Edward Berger constrói uma narrativa política nos corredores do Vaticano. 

O filme sucede em esclarecer os procedimentos que dispõe o conclave sem fazer-se óbvio, sem um diálogo demasiado expositivo, confiando na habilidade do espectador de entender sua mensagem com clareza. Constitui-se, também, de elementos modernos para desenvolver seu espaço nesse momento histórico fictício – um cardeal usa celular enquanto espera o início do Conclave, o personagem de Sergio Castellitto traga seu cigarro eletrônico em vários dos melhores momentos do filme, etc. É a partir disso que a fotografia explora com louvor o espaço do Vaticano, além de estabelecer cuidadosamente as relações dos personagens em seus planos e oferecendo uma visão que destaca a claustrofobia presente no processo de conclave, destacando a crescente tensão entre os cardeais e o peso de seus segredos que podem custar a sua vaga na briga pelo poder do papado.

Conclave convém a tentativa de resgate de uma história secular que anda perdendo espaço na modernidade, mas que ainda é um pilar fundamental do mundo ocidental que conhecemos hoje. O conflito entre os personagens ressalta os dois lados que a Igreja tenta agradar para manter-se relevante: o seu histórico conservadorismo sufocante e as posições liberais que o resto (de parte) do mundo adota, destacando a força da Igreja como a entidade política altamente influente que sempre fora. A perspectiva de que o votado dita os interesses desse corpo político moderno é o principal instigador dos conflitos que se formam; sob a sombra do Papa recém falecido, os cardeais tentam resolver seus problemas internos enquanto decidem o futuro da Igreja que juraram cuidar. A direção estabelece a grandiosidade do processo de conclave em conflito com uma instituição que se enfraquece e que se mantém sob membros corruptos, abertos a uma manipulação política que corresponda à seus interesses pessoais, abrindo mão de seus votos de pensar no bem maior a fim de conquistar uma pequena parcela do poder que a Igreja Católica guarda para si.

Apesar da pertinente crítica à Igreja Católica como instituição e a integridade de seus membros, a obra não deixa de reconhecer o papel que ela exerce ainda no mundo moderno. É nesse reconhecimento que o filme estabelece alguns de seus melhores momentos, como nas revelações de segredos e na busca do Decano Lawrence pela verdade, trabalhando tanto a hipocrisia quanto a humanidade de seus personagens para com o mundo da Igreja e seus fiéis. Berger consegue desenvolver dentro do drama evidente e da tensão crescente uma narrativa que por vezes possui tons de comédia que transforma esse histórico e misterioso processo em uma convenção de homens fofoqueiros, interesseiros e mesquinhos.

A narrativa, apesar de não aprofundar abertamente seus personagens em alguns momentos, abre espaço para que torçamos contra vários e a favor de poucos, seja por seu discurso político, pelos meios em que tentam conquistar o papado ou pelas verdades descobertas, que enfraquecem ou, em menor grau, fortalecem os votados. Ralph Fiennes, acompanhado de um elenco coadjuvante esplêndido, aborda seu personagem e a moralidade conflitante de um homem em dúvida com sua fé que, subitamente, precisa comandar a eleição para o próximo Papa com uma força que certamente balançará alguns de seus competidores na corrida para o Oscar de atuação. Seu personagem se encontra no fogo cruzado de seus problemas pessoais com a corrupção que acontece dentro da Igreja, enquanto Sergio Castellitto assume as vestes de Goffredo Tedesco, um cardeal tradicionalista que amamos odiar, e Stanley Tucci e Carlos Diehz representam uma pequena esperança na luta pelo papado. Além dos cardeais, Isabella Rossellini representa Agnes, a freira responsável pelo cuidado dos homens, sendo em momentos o único ponto de sensatez dentre os conflitos estabelecidos pelas personagens masculinas.

Conclave é um sólido thriller político que trabalha com idiossincrasias de um dos processos mais influentes e misteriosos da história, e é capaz de mostrar a corrupção dessa instituição religiosa sem desmerecer, mas questionando, o papel que ela ainda possui no mundo moderno. “O homem mais famoso do mundo”, prepara o personagem de Fiennes o próximo pontífice, escolhido após as brigas e desavenças entre alguns dos homens mais poderosos do mundo.

 

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