A mais nova empreitada de Robert Zemeckis acaba de estrear nos cinemas. Uma das propostas mais diferentes do diretor até agora, Aqui conta a história de uma casa, mas não só isso, um lugar, e suas transformações desde o início dos tempos. E o que tem de tão especial nesse pedaço de terra para valer a pena conhecermos? Bom, nada – e por isso mesmo, tudo. 

Para contar essa história, Zemeckis estipula duas regras: A câmera fica sempre estagnada em seu eixo (ela não se mexe) e não há cortes até que um salto no tempo seja feito. Acho que posso dizer que essas decisões são o coração do filme, a razão de sua originalidade. Podem parecer limitações, mas o diretor consegue aproveitar ao máximo tudo o que esse formato fornece.

Sem movimentos de câmera para acompanhar os atores ou se aproximar de seus rostos, a decisão natural foi simular as práticas do teatro. Por isso os atores quase nunca estão de costas para a câmera e as cenas são coreografadas com a preocupação de manter a ação sempre aos olhos do espectador. Então quase todos os fatos importantes acontecem na nossa frente, e, até quando não, diálogos expositivos são adotados e a criatividade da fotografia nos permite observar por detrás da câmera por meio de espelhos.

Além da composição das cenas, o próprio trabalho dos atores também têm muita influência no teatro. Talvez com exceção dos protagonistas (Tom Hanks como Richard Young  e Robin Wright como Margaret Young), as composições apresentam certa artificialidade. Os personagens não são definidos por muito mais do que seus tipos, e isso talvez seja a única coisa que atrapalha o engajamento emocional. A decisão faz sentido pela lógica da teatralidade, mas não funciona, já que se você não crê verdadeiramente no sentimento do personagem, fica mais difícil de sentir empatia. O maior exemplo disso me parece o pai de Richard, personagem de Paul Bettany. A começar pelo seu hábito insuportável de gritar. É visível que o papel é por essência a de uma pessoa desagradavel, e isso não é um problema, mas a natureza hiperbólica da composição, vinda do teatro, não nos permite “embarcar” no personagem de Bettany. E se não embarcamos, também não nos conectamos com seu drama, que é parte fundamental do arco do personagem.

Já entrando nos deméritos, a teatralidade também justifica outro elemento do filme: os efeitos práticos e digitais da passagem de tempo dos atores. Quando Tom Hanks entra em cena pela primeira vez, seu rosto demora para aparecer claramente e perto da câmera, o que faz sentido (deixar que o rosto do ator fosse visível apenas na fase de meia idade do personagem evitaria vexames de efeitos digitais), mas isso dura pouco. Depois de poucas cenas expondo o rosto de Hanks, a impressão é que houve um salto no tempo e Richard já tem por volta de 20 para 30 anos. Até que em dado momento, um diálogo de Richard com seu pai nos revela que ele tem 18 anos. Simplesmente não é crível. É fato que, no teatro, a idade dos personagens não bater com a dos atores é algo comum, mas isso acontece porque essa arte tem uma característica que o cinema não tem: a distância entre ator e público é muito maior numa sala de teatro do que numa tela de cinema.

A montagem de “Aqui” também merece destaque. Os vários recortes temporais do roteiro são divididos em blocos e reorganizados na montagem. Ou seja, passamos de um jantar de ação de graças da família Young nos anos 70 para um funeral de uma tribo primitiva antes de Cristo, e depois para uma família negra em plena pandemia, por exemplo. Se pondo na pele de Zemeckis, isso cria uma problemática. Como executar as transições entre esses blocos sem ficar repetitivo e cansativo? O diretor resolve perfeitamente esse problema com os quadros que recortam as imagens sobrepondo umas às outras. É difícil descrever esses inserts em texto, mas, para quem tem um apreço pelo visual, eles te fazem esperar pela próxima vez que vão aparecer em tela.

Além da proeza visual, outro fator marcante da edição é seu ritmo. A montagem não hesita em executar as transições logo após o fim da sequencia, o que pode gerar uma sensação de pressa, de falta de tempo para digerir emocionalmente os fatos. Essa percepção não está errada, mas após refletir sobre as intenções da obra não creio que isso seja algo negativo. Uma das frases mais ditas no filme é “o tempo voa”, e não a toa. Durante a projeção, o filme nos lembra que a pandemia já é um evento cronologicamente distante o bastante para ser considerado um capítulo da história tal qual a peste negra, e nós espectadores pensamos a mesma coisa, “ o tempo voa”.

A História, com H maiúsculo, vai muito além do que lemos nos livros. Qualquer lugar no mundo é um museu vivo pois carrega consigo a história de vida de pessoas de todas as eras e foi chão por onde pisaram criaturas pré-históricas. É esse pensamento que motiva a existência do filme, e é com ele na cabeça que saímos da sessão.

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