— “Primeira neve do ano”
Diz o amigo de Takuya (Keitatsu Koshiyama) pouco antes do protagonista ser atingido por um disco de hóquei.
O ferimento incomoda, mas torna-se metáfora para mudança e a jornada do amadurecimento. Sol de Inverno, longa japonês que tem como título original Boku No Ohisama (Meu Sol) é ambientado em uma pequena e pacata cidade do país, na qual Takuya, descobre sua paixão por patinação no gelo, com a ajuda do professor Arakawa (Sosuke Ikematsu) e a aluna prodígio Sakura (Kiara Nakanishi).
Sendo o segundo trabalho do jovem e iniciante diretor Hiroshi Okuyama, que já havia estreado com seu primeiro (e aclamado) “Jesus”, além de dirigir alguns episódios da série da Netflix “Makanai – Cozinhando para a Casa Maiko” do famoso Kore-eda, Okuyama certamente se apresenta como um nome a ficar de olho aqui e para próximas produções.

A depender do trabalho, a escolha de filmar em 4:3 (quatro por três) já nos evoca um sentimento de nostalgia e aconchego e certamente é a ideia na obra. O dito aconchego carrega toda atmosfera do filme, se pensarmos muito da cinematografia japonesa, mas aqui, se manifesta por um contraste de sensações. A estrutura é carregada por imagens calmas e até estáticas da paisagem… a natureza, o inverno e os ambientes são filmados de um ponto de vista observador, frontal e reflexivo de uma história que nos lembra uma crônica pelo seu caráter cotidiano. Para os mais fissurados no cinema, o estilo definitivamente irá remeter a Wes Anderson e sua obsessiva simetria. Contudo, as imagens simétricas de Hiroshi Okuyama estão aqui para dizer muito mais do que um prazer visual de Anderson. As cores suaves, as divisões na tela com os elementos da imagem, entre vários objetivos, colocam também os personagens juntos em tela, mas divididos por seus espaços ou unidos por suas intimidades. Em muitos momentos os elementos fílmicos interagem todos em um mesmo plano, porém, quando Okuyama escolhe separar Takuya, Sakura e Arakawa, conduzindo-os em um olhar triangular, temos aí a beleza na simplicidade em Sol de Inverno.
Mas se por um lado a estrutura do filme se constrói no simples, por outro essa simplicidade se quebra com a catarse da dança. O modo como as cenas que envolvem a patinação mudam a configuração da imagem e dos planos, traz vida e energia. Takuya ao ver Sakura pela primeira vez patinando sob a iluminação do sol, observa seus passos com a movimentação horizontal e vertical da câmera, além da bela trilha sonora em piano evoca a transformação que o menino passa durante o longa. A escolha do diretor em usar não atores – com muitas cenas em silêncio ou falas improvisadas, mas profissionais no esporte – trazem a verossimilhança e o realismo que dá vida na mensagem do filme. Sakura, inicialmente, aparece como uma figura reclusa e indiferente, mas se transforma a partir do momento que entra em ação. A dança que desce da cabeça aos pés, coloca essa parte como outro elemento vivo para a execução, o que torna o trabalho da edição menos frustrante caso optasse por mostrar os atores sempre do busto para cima (alô André Bazin e seu cinema realista). A câmera coloca a pista de patinação no centro e Takuya ao canto, timidamente tentando entrar, ou a imagem trêmula no momento em que o garoto patina pela primeira vez, enquanto seus próprios pés encaram os da garota, ao seus pais o perguntarem “o que você quer?” e a criança estar ao centro da mesa… são pequenas ações que dão totalidade para o sentido da obra e ao protagonista, usar do esporte como meio para experimentar o amadurecimento juvenil pela idealização da expectativa e também da decepção da realidade. Sakura e Arakawa também representam dois lados do tradicionalismo cultural, marcado pela perfeição, o trabalho em equipe, mas escondendo preconceitos, que permeiam principalmente o Professor e seus dilemas pessoais que transpassam para um dos temas contados.

Assim, colocado na curadoria “Certos Olhares” do Festival de Cannes, certamente, é um pedaço de história cheio de preciosidades, contrastes e com escolhas complementares a serem assistidas por um diretor e equipe que honram suas raízes culturais e cinematográficas, mas com seu próprio sentimento e mensagem a ser dita. Boku No Ohisama é o sol que ilumina os personagens, seus desejos e o próprio amadurecimento que passam, enquanto o título brasileiro Sol de Inverno evoca e reforça bem o sentimento ao assistirmos esse projeto: um pequeno raio de esperança, quente e reconfortante em meio ao inverno.
Sol de Inverno estreia nos cinemas brasileiros a partir do dia 17 de Janeiro.