Essa crítica contém uma parte com spoilers e sem spoilers.
Sinopse: Um chaveiro talentoso é libertado da prisão e levado de volta a um mundo de policiais corruptos e gângsteres de uma pequena cidade. Mas ele quer construir um futuro com sua ex-noiva, uma detetive, e sua filha.
PARTE SEM SPOILER
A Chave do Problema (2023) é um filme de ação clássico, bem no estilo “Temperatura Máxima”. Tem um vilão odiável desde o início, tem um herói protagonista, uma mulher que é interesse amoroso desse herói protagonista, uma filha ou filho que entra no meio da história para ser alvo, um amigo carismático de quem nós gostamos, mais até do que do protagonista, tiros, masculinidade, lutas.
Mas se tem uma coisa que A Chave do Problema tem, que também não costuma faltar em filmes B de ação, são decisões ruins, seja dos personagens, seja do filme. Os personagens, e até o protagonista (Miller), são pouco desenvolvidos. O ator (Ryan Phillippe) que interpreta Miller não é carismático o suficiente para cativar o espectador e o personagem mais interessante (Frank) tem pouco tempo de tela e só existe porque convém ao roteiro que o protagonista receba ajuda de algum lugar, mesmo que em nenhum momento sejamos capazes de entender qual a relação entre eles. Seriam fraternidade? Seriam parentes de alguma maneira? Seriam ex-colegas de crime? O ex-chefe do protagonista? Pai adotivo?
A narrativa não surpreende, é a mesma que já foi vista em outros inúmeros filmes, sem tirar nem pôr. E isso não é um problema, quando o filme não se torna desinteressante. Um bom clichê serve muito bem ao entretenimento. Mas, no meio do caminho, a narrativa prefere seguir seu pior caminho, acompanhar o personagem com sua trama de salvar uma pessoa, ao invés de focar na investigação feita pela policial (Beth). Saber que, depois de tudo isso, o protagonista estava ali no meio de todas as ocasiões que envolvem essa investigação seria muito mais interessante do que acompanhá-lo. Mas é claro, esse personagem precisa ser mais viril, ser o cara que tem todas as soluções. Ou seja, se esse fosse apenas um personagem que não compra briga, que usa mais a inteligência do que o corpo, esse não seria um filme de ação clássico.
Na parte técnica, percebe-se que o filme cumpriu seu papel. Mas nem sempre a imagem é interessante, ela não busca fazer mais nada além de seu trabalho, e o som é esquecível. A arte reforça estereótipos e nos dá poucas informações além daquelas que já estão dadas no roteiro ou nos diálogos. A narrativa, como dito, é mais do mesmo, e os diálogos são tão ruins quanto as atuações, exceto pelos atores de Beth (Kate Bosworth) e Frank (Ving Rhames), que driblam uma atuação de expressões exageradas e falas mal feitas.
PARTE COM SPOILERS
Não poderia ser mais clichê: a esposa do criminoso ser uma policial. Fico me perguntando o sentido disso na história da personagem. Na verdade, qual o sentido dessa personagem ter parado no tempo quando o ex-marido foi preso? Essa impressão é fruto da falta de informações sobre ela, que tinha o melhor ponto de vista para contar essa narrativa.
Além disso, Beth parece tão descartável e seria uma protagonista mais interessante que o protagonista. Afinal, por que aquele vilão maquiavélico prefere perseguir o marido dela do que ela? Quem realmente tem provas do crime? Quem realmente pode incriminá-lo de dentro para fora? Com isso, é importante dizer que não seria a mudança de alvo que tornaria tudo mais interessante, mas sim, a mudança do ponto de vista do filme.
Os atores de Frank e Beth são os que melhor se saem nesse filme. Entretanto, a fala final de Frank é bem ruim e exemplifica bem como os diálogos desse roteiro são muito artificiais. A partir do momento em que Frank diz que não está vendo o outro homem que poderia atirar nele e baixa a guarda completamente, já sabemos o que vem depois disso. Além disso, o ritmo dramático dessa cena é péssimo. Afinal, nós já sabemos o que vai acontecer. Dar mais tempo para isso acontecer não iria realmente mudar, só confirma e deixa a cena mais brega.
O protagonista é tão desinteressante e tão bondoso, apesar dos pesares, o que não faz qualquer sentido para a história desse personagem. A forma como ele busca ajudar April cegamente, pelo seu senso de responsabilidade, é tão forçada. Além disso, a sua decisão é ajudar “porque, sim”. O filme não convence que ele realmente precisava fazer tudo o que fez para ajudar April. A todo momento, pensamos que ele poderia buscar outras soluções, e a principal delas seria fazer o que Frank e Beth diziam. O protagonista seria melhor aproveitado se simplesmente estivesse na hora errada, no lugar errado, como ocorre logo no início do filme; mas essa linha da provocação fica de lado, e ele voluntariamente se joga no fogo cruzado.
Aliás, a cena de invasão da casa onde acontece uma festa é muito forçada. O filme quer passar a sensação de que o personagem consegue ser furtivo, mas no final ele é tão furtivo quanto um elefante; e ainda bem que o filme assume isso, pelo menos.
O protagonista sempre faz escolhas burras, e isso é irritante, já que esse deveria ser um jogo de inteligência. Ele escolheu entrar numa casa lotada de capangas, sem nem mesmo estar usando um disfarce para se camuflar, estava vestido completamente de preto, além de entrar por onde saiu. Decide ligar para April logo após sua tentativa de invasão e resgate, e confia cegamente em alguém que ele já nem conhece mais.
Apesar de buscar uma divertida “sessão da tarde de pai”, A Chave do Problema acaba nem sendo um filme divertido, nem um filme bom. Apenas um filme pouco interessante, que pode servir ao entretenimento, mas se resume a isso.