Crítica escrita por Mateus José.
Sinopse: Um retrato intimista e musicalmente profundo que traça o resgate da identidade de três gêneros musicais que são legados do continente africano: o blues, do Mississipi, a rumba, de Havana, e o jongo, do Rio de Janeiro. A partir da diáspora africana, o documentário investiga o berço comum e as particularidades geográficas e instrumentais desses três ritmos musicais consolidados mundialmente. O diretor percorreu seis países — Angola, Congo, Mali, Brasil, EUA e Cuba — para desbravar a ancestralidade no blues, na rumba e no jongo pelo olhar e pela história de três personagens principais.
Rodado em seis países, Razões Africanas busca resgatar três gêneros musicais oriundos do continente africano. Sustenta-se no relato de três figuras centrais — Terry “Harmonica” Bean, Eva Despaigne e Lazir Sinval — e é enriquecido por depoimentos de diversos especialistas em história da África, como Ynaê Lopes, escritora e professora de História na Universidade Federal Fluminense.
Jefferson Mello, cineasta, fotógrafo e fundador da produtora independente Tremè, é conhecido por seu livro Os Caminhos do Jazz, que inspirou o roteiro de seu primeiro longa-metragem documental, Samba & Jazz (2014). Neste novo trabalho, ele retoma a música afro como tema central, assinando a direção, o roteiro e a fotografia de Razões Africanas.
A direção oferece um recorte plural da relevância da música como manifestação cultural dos povos africanos e como ela se tornou uma forma de resistência e preservação das tradições, desde os quatrocentos anos de escravidão até os dias atuais. O longa também destaca a inclusão, apropriação e liderança dessas tradições pelas mulheres em suas respectivas comunidades, como Vovó Maria Joana, do Terreiro Cabana de Xangô, na comunidade da Serrinha, no Rio de Janeiro, e Eva Despaigne, com seu grupo de rumba em Cuba.
Quanto aos aspectos técnicos, a montagem não linear, assinada por Juliana Nicolini, é essencial para evitar que o filme se torne didático ou enfadonho. A constante mudança de cenários transmite a sensação de que, apesar da distância geográfica, os lugares retratados compartilham um elemento fundamental: a música. Além disso, a alternância entre depoimentos e falas de especialistas fundamenta e enriquece o discurso do filme. Entre os elementos técnicos, a direção de fotografia se destaca, com planos exuberantes da cidade de Havana, das rodas de jongo no quilombo da Serrinha e, especialmente, do campo de algodão no Mississippi.
Em suma, Razões Africanas é um documentário realizado com brio por seus idealizadores. Sensível e profundo, utiliza a música para dar voz a narrativas negras e a especialistas que perscrutam e embasam um retrato da epistemologia africana em diversos contextos globais.