Crítica escrita por Gabriel Cine para a cobertura do 26º Festival do Rio.
Sinopse: Logo após ser liberado de um centro de detenção para jovens, Wellington (João Pedro Mariano) se vê à deriva pelas ruas de São Paulo. Durante uma visita a um cinema pornô, ele conhece o garoto de programa Ronaldo (Ricardo Teodoro), com quem passa a viver uma relação cheia de conflitos, entre a exploração e a proteção, o ciúme e a cumplicidade.
Baby (2024), dirigido por Marcelo Caetano, acaba de receber o Prêmio de Melhor Longa-Metragem de Ficção no Festival do Rio. O filme foi bastante comentado pelo seu discurso poderoso sobre a representação LGBTQIA+ nas ruas de São Paulo, uma marca registrada do diretor e que marca presença tanto em Baby, quanto em Corpo Elétrico (2017), seu primeiro longa.
Caetano assina o roteiro ao lado de Gabriel Domingues, ambos conseguem criar um trabalho primoroso na construção de personagem nessa narrativa guiada pelo seu protagonista Wellington – interpretado por João Pedro Mariano, e vencedor do prêmio de Melhor Ator no Festival do Rio pelo papel. Assim como em seu filme anterior, Marcelo Caetano cria um retrato íntimo da realidade queer aos olhos da classe trabalhadora na cidade de São Paulo, essa premissa permite que se ultrapasse a barreira do tropo narrativo que retrata a maioria das história queer como histórias de tragédia, repletas de sofrimento e melancolia. O filme é um retrato da liberdade, numa jornada de busca pelo pertencimento. Wellington inicia sua história saindo de um centro de detenção, e, ao começar o filme dessa forma, estabelece-se que o protagonista já está em encontro com sua própria liberdade, apenas a procura de si mesmo e não de aceitação externa. Nessa jornada, ele encontra Ronaldo, um homem mais velho, garoto de programa e que se afeiçoa pelo rapaz. A busca de pertencimento de Wellington reverbera nessa história de paixão entre ele e Ronaldo, esse relacionamento traz uma dinâmica muito interessante para ambos personagens. Além da interpretação versátil para Wellington e uma interpretação mais comedida para Ronaldo, o texto escrito a eles evidencia as diferenças entre os personagens, o que gera afeição, porém também gera distanciamento. Muitas vezes, a diferença etária é colocada como pauta, o que gera diálogos interessantíssimos. Principalmente em toda a sequência onde Wellington/Baby encontra o personagem Alexandre – vivido por Marcelo Várzea. Em certos momentos, o filme flerta com o sub gênero de romance criminal, colocando seus protagonistas em situações de risco, o que dá um bom ritmo ao filme, intercalando com os momentos mais reflexivos e intimistas.
Para retratar a liberdade do personagem título do filme, o roteiro expõe como foco: o sexo. Ponto importantíssimo a se destacar, visto o trabalho maravilhoso da arte e da fotografia, que imprimem essa intimidade libertatória com muitos closes e planos fechados, mas que, em cenas de sexo, se abrem para demonstrar toda a intimidade da forma mais escancarada possível, demarcando a naturalidade do sexo como símbolo de liberdade para todos os personagens do longa. Isso funciona tematicamente e também metaforicamente, pois aborda elementos interessantes do trabalho sexual e debate sobre etarismo e a relação entre o cliente/profissional. Por primeira cena de sexo do filme envolve o voyeurismo. A partir desse momento, a câmera assume esse olhar voyeurista para observar toda a narrativa. O espectador é guiado pela câmera quase como um novo personagem em cena, observando a intimidade dos personagens em todos os contextos, desde as cenas sexuais até as acaloradas discussões. Durante toda sua duração, Caetano tem o único objetivo de observar a jornada de Wellington/Baby e nos fazer sentir com seu crescimento. Com o uso de câmera que passeia próximo ao personagem pelas ruas de São Paulo (que também são primorosamente filmadas), é como assistir uma fábula urbana sobre pertencimento aos olhos da classe operária.
Contudo, ao se apegar tanto nessa visão intimista e sutil sobre seu pertencimento, o filme procura intensificar o final da jornada de Wellington de forma mais impactante, criando acidentalmente um anti clímax. Se toda a relação de Ronaldo e Wellington foi a força motriz da narrativa, a grande sequência final de intensidade deveria envolver ambos os personagens e suas lutas internas, seja para concretização do que sentiam um pelo outro ou não. Mas na tentativa de intensificar a história, o roteiro opta por um foco na subtrama criminal que leva a história para um lado que não é condizente com os temas apresentados anteriormente e que, embora gerem um estado de alerta, é um problema resolvido pela mesma facilidade que é implantado no texto. Essa mudança de foco brusca, põe uma quebra de ritmo no filme para retratar um problema que sim, é importante debater, no caso a violência contra pessoas LGBTQIA+, porém, em comparação com o andamento da história até então, não condiz com o que tinha sido apresentado, resultando num clímax, em sua última cena, que até é intenso, melancólico e emocionante mas que é incômodo por não condizer com o que ocorreu há poucos minutos antes da cena final. O foco, por fim, retorna para os sentimentos de Wellington e Ronaldo, porém, apenas depois de uma cena do filme que foge tanto da proposta sutil que construiu até então que tira um pouco de seu impacto.
Baby é um profundo estudo de personagem sobre liberdade identitária enquanto também é uma delicada e intensa história de amor, com um final intenso, porém morno.