Crítica por Valquíria Albuquerque para a cobertura do 26º Festival do Rio.

Sinopse: Não tão longe da Amazônia existe um deserto brasileiro, onde Betânia, de 64 anos, tenta renascer enquanto o mundo acaba. Depois de enterrar o marido, morto pelo sal, essa moradora de uma área isolada dos Lençóis Maranhenses decide se mudar para um povoado de 300 habitantes e passa a viver os confortos e desconfortos da vida com internet e energia elétrica.

Fazendo parte da Première Brasil: Competição Longa-Metragem, o longa-metragem Betânia (2024), dirigido por Marcello Botta, é um belíssimo retrato de uma parte da sociedade brasileira que, por muitas vezes, é esquecida pelos órgãos públicos. Através de vivências de um núcleo familiar, a obra transmite a pobreza que os habitantes enfrentam em constante contraste com a beleza dos Lençóis Maranhenses, local em que a família reside.

Moradora de uma área isolada pelos Lençóis Maranhenses, Betânia (Diana Mattos) é uma senhora que precisou lidar com perdas durante toda a sua vida. Após uma série de incidentes, ela retorna para sua cidade natal, Betânia, em que suas filhas moram. Exibindo o cotidiano de diferentes membros da família, a obra consegue expor temáticas como a homofobia enraizada na população, a marginalidade presente no bairro e o choque cultural entre gerações.

Betânia é uma personagem essencial para sua família. Ela é a pessoa que consegue conversar e aconselhar os outros integrantes, tomar decisões e, muitas vezes, precisa ser forte o tempo todo. Os momentos em que ela fala de seus entes que faleceram são de tamanha sensibilidade, e a cena em que a senhora precisa deixar sua casa, por um incêndio acidental, é extremamente comovente. A atuação de Diana Mattos é brilhante e isso é reforçado pela Menção Honrosa que a atriz recebeu na premiação do Festival do Rio. Mas, ao passar da narrativa, a senhora Betânia deixa de ser a protagonista do filme, visto que o vilarejo de mesmo nome torna-se o centro de todos os acontecimentos. Seja abordando problemas com internet, a dificuldade em achar alguma fonte de renda, falta de opções de escola… Toda a família precisa lidar com as dificuldades da moradia em Betânia. 

Um grande destaque do filme é o quão musicado ele é, evidenciando músicas ouvidas por pessoas de Betânia e dos bairros próximos. A admiração da jovem Vitória (Nádia D’Cássia) pelo Reggae é um ponto essencial para a trama, desencadeando as desavenças de sua mãe com a mesma, muitas por associar os eventos com esse estilo musical, que reuniam jovens e eram um espaço mais diverso e liberal, como formas de ir contra o moralismo cristão. Além do Reggae, os cânticos maranhenses do tradicional “bumba meu boi” também são apresentados em momentos chaves da narrativa, tornando ainda mais emocionante a força da protagonista para perseverar diante de tantas situações complicadas. Ademais, não há como não reparar na intensidade das cores de cada plano. As paisagens únicas dos Lençóis Maranhenses são completamente valorizadas por cada frame, principalmente os que mostram as flores nos Lençóis, um espetáculo natural que praticamente não é conhecido por turistas e pessoas que não moram no local. 

Em suma, Betânia é um filme emocionante e otimista acerca da perseverança de moradores de pequenos vilarejos como o apresentado, e a sessão foi de tamanha riqueza cultural. No final, houve uma breve conversa com parte da equipe e elenco do filme, na qual foi abordado o cuidado que tiveram em realmente retratar a realidade local, com profissionais que são de lá. Além disso, integrantes do filme iniciaram uma saída do cinema com canções de Bumba meu Boi e caminharam até a Cinelândia, cantando e dançando com o público. 

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