Crítica escrita por Mateus José para a cobertura do 26º Festival do Rio.

Sinopse: Dé é um adolescente negro da periferia do Rio de Janeiro que descobre que sua avó está na fase terminal da doença de Alzheimer. Ele tem a ajuda de seus dois melhores amigos para enfrentar o mundo e aproveitar os últimos dias de vida da mulher.

Ambientado na periferia de Chatuba, o filme nos apresenta a Dé (Big Jaum), que cuida de sua avó, dona Almerinda (Teca Pereira), portadora de Alzheimer em estágio terminal, enquanto tenta sobreviver e evitar o despejo da casa em que moram. Ele conta com a ajuda de seus amigos Martins (Ramon Francisco) e Adrianim (Diego Francisco), e juntos enfrentam as adversidades, aproveitando os últimos dias de vida de Almerinda.

De maneira extremamente sensível, Kasa Branca (2024) nos convida a refletir sobre a difícil e muitas vezes marginalizada realidade da juventude periférica brasileira, a valorização dos vínculos e, principalmente, da memória. Conhecido por suas atuações em Tropa de Elite 2 (2010) e Cidade de Deus (2002), e pela co-direção de dois longas, 5x Favela: Agora por Nós Mesmos (2010) e o documentário Cidade de Deus: 10 Anos Depois (2013), Kasa Branca é o filme de estreia de Luciano Vidigal na direção solo.

A direção trabalha bem o espaço dramático de cada personagem, situando desde o início não apenas a história do protagonista, mas suas relações e o contexto em que eles estão inseridos. Rapidamente é possível imergir na trama e se afeiçoar aos personagens, sem que o filme pareça apressado ou lento demais, tornando a experiência envolvente e fluida. O título Kasa Branca não é por acaso: a casa onde Dé mora com sua avó se torna praticamente um personagem adicional, pois o ambiente pode ser tanto opressor e melancólico — como nas cenas em que Dé se esconde da “Bruxa de Blair”, a proprietária da casa, para evitar ser despejado — quanto libertador, acolhedor e nostálgico, como na cena em que Dé, Martins e Adrianim mostram fotos de dona Almerinda em sua juventude.

Nos aspectos técnicos, como já mencionado, Luciano Vidigal traz um olhar sensível para a direção, que não apenas complementa seu próprio roteiro, mas respeita e contempla os personagens e a narrativa. A direção de fotografia, assinada por Arthur Sherman, aproveita o cenário exuberante do Rio de Janeiro para criar planos cativantes e de grande beleza.

Quanto às atuações, Big Jaum, vindo do stand-up comedy, foi uma escolha acertada do diretor. Em Kasa Branca, ele interpreta um Dé que não precisa de muitas palavras para transbordar emoção, sempre com os olhos marejados e o semblante de quem carrega o peso do mundo. Ramon Francisco entrega um Martins carismático, de gênio forte e cheio de personalidade, sempre com expressões marcantes, falando alto e fazendo piadas.

O filme se encerra sem grandes surpresas na narrativa secundária, mas é na narrativa principal que ele brilha: uma obra sobre união, autodescoberta e crescimento pessoal, que oferece uma perspectiva da vida de pessoas negras e periféricas raramente retratada no cinema, carregada de emoção até os últimos segundos. Em resumo, Kasa Branca é uma verdadeira aula de cinema, onde o realizador sabia exatamente o que queria retratar, qual mensagem desejava transmitir, quem precisava para dar vida à sua visão e como fazê-lo.

 

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