Crítica escrita por Isasqui para a cobertura do 26º Festival do Rio.
Sinopse: Uma meditação cinematográfica, poética e pessoal sobre mudanças, desigualdades sociais e perdas, o filme acompanha a jornada da cineasta Denise Zmekhol ao descobrir que o prédio mais famoso de seu falecido pai — um arranha-céu modernista de vidro, no coração de São Paulo, chamado Edifício Wilton Paes de Almeida — está ocupado por centenas de famílias sem-teto. Entrelaçando delicadamente o pessoal e o político, o longa-metragem é uma reflexão profunda e comovente sobre a evolução do Brasil durante épocas de escuridão, transformação e renascimento.
Trazendo todo épico da narrativa desde o título, Pele de Vidro (2024), nome do filme, mas também expressão utilizada na arquitetura para um tipo de fachada que coloca diversos vidros para criar uma aparência contínua e espelhada – como se o edifício estivesse envolto em uma “pele”, convida o espectador a uma rememoração do que um dia já foi um dos maiores símbolos de modernidade no Brasil. Comandado pela cineasta Denise Zmekhol, o longa possui diversas conexões entre a figura da própria diretora que acrescenta, mas também diminui a experiência durante a projeção. Diretora, mas também narradora e principalmente, filha de Wilton Paes de Almeida, arquiteto modernista, famoso por construir o edifício com o mesmo nome – antes localizado no bairro da República, que idealizou este e demais projetos arquitetônicos na capital. No geral, o documentário procura instigar a vida do artista, mas também relações que o cercam na sua teia de vida.
Na maioria dos momentos, o formato vídeo-carta confere um caráter íntimo para a autora e impessoal para o público. As fotografias, os depoimentos e o próprio voice over da diretora, contrastam com a montagem de Josh Peterson que mescla imagens e ondas de mar suaves com a estática e mórbida São Paulo, que se torna mais flácida após a despersonalização do edifício de seu pai. Inclusive, se antes o estado foi muito visto como sinônimo de avanço pelo seu desenvolvimento ou por movimentos culturais como o próprio Modernismo, hoje é apenas uma lembrança do que um dia o arquiteto pensou para seu futuro.
Em um contexto de narrativa biográfica, principalmente as que visam contemplar e homenagear o indivíduo em questão, não é fácil questionar a identidade. Contudo, Zmekhol ao mesmo tempo que foca uma grande parte da narrativa em reviver a memória do seu pai, com entrevistas, imagens e até relatos pessoais, também procura expor uma faceta desconhecida não só para o público como para a própria filha do arquiteto. Tendo em vista, uma outra parte do documentário mostra o que aconteceu com toda essa glória modernista do edifício, que antes era visto como o de mais novo na capital, agora se torna lar de pessoas desabrigadas e marginalizadas da sociedade paulistana. A ideia do “não corte”, ou seja, de manter gravando em sequência planos e entrevistas dos líderes do movimento, revelam a incessante procura da cineasta com a ressurreição da memória, mas também da ressignificação dos sentidos, ou seja, buscar descobrir todos que tem relação direta ou indireta com Wilton. Seus poucos momentos expositivos vem para confirmar a intimidade da história: a necessidade de continuar oculta, escondida, como uma mente que relembra momentos, mas também os compartilha para o espectador, ao mesmo tempo que cura dores antigas.

Sendo assim, Pele de Vidro parece apresentar um único personagem, o edifício, lugar de pluralidades, de pensamentos futuristas, mas também que conservam um modelo de passado classicista e excludente. Através de uma jornada de cura, a diretora também expõe o estigma ainda presente nas sociedades urbanas através das imagens e relatos. O fato da mulher revelar que o pai adoraria conhecer os moradores daquele prédio, mostra um encontro entre o velho e o novo, que é evidenciado também em diversos outros elementos do filme, como na fotografia, montagem e até efeitos especiais (muito bem usados, retratando o dinamismo de uma planta de construção). O olhar talvez particular, mas muito sincero, permite e sugere reflexões do próprio público a respeito do caminho das modernizações e construções de espaços para as pessoas, afinal, de “o prédio de vidro, o grande espelho do Brasil”.