Por Pedro Lauria.
O Suburbanismo Fantástico ou Suburban Fantastic Cinema é um subgênero que contempla narrativas de amadurecimento de jovens (coming-of-age dramas) em meio a histórias de aventuras com tons de fantasia, horror, ficção científica e/ou ação em filmes como E.T. – O Extraterrestre, De Volta para o Futuro, Os Goonies, Esqueceram de Mim, e Turma da Mônica – Laços, séries audiovisuais como Stranger Things, livros como Goosebumps, quadrinhos como Paper Girls, e jogos como 198x. O nome se deve ao fato de a maior parte dessas histórias envolverem subúrbios e cidades pequenas que são desestabilizadas por eventos ou situações não ordinárias que podem ir de alienígenas até ladrões atrapalhados
O subgênero cinematográfico foi proposto em 2017 pelo professor de Oxford Angus McFadzean, e posteriormente, aprofundado no livro Suburban Fantastic Cinema: Growing Up in the Late Twentieth Century. Segundo ele
Suburban Fantastic Cinema é um nome usado para designar um conjunto de filmes Hollywoodianos que começaram a aparecer nos anos 1980, onde crianças e adolescentes que vivem no subúrbio são chamados para confrontar uma força fantástica e disruptiva – fantasmas, aliens, vampiros, gremlins e robôs maldosos. São filmes que emergiram de obras focadas no público adulto, melodramas suburbanos, e filmes e programas de horror, fantasia e aventura, clássicos dos anos 1950, e que passaram a ser sinônimo dos trabalhos de diretores como Steven Spielberg, Joe Dante, Robert Zemeckis e Chris Columbus. Comumente adereçados como filmes de crianças ou filmes “família”, sendo parte-chaves da infância do fim da geração X (1965-1980) e de toda geração millenial (1981-1996).
O suburbanismo fantástico mescla os elementos semânticos ordinários de uma classe média estadunidense, como subúrbios e cidades pequenas; escolas; bibliotecas; piscinas públicas; farmácias; famílias nucleares com dois ou mais filhos; entregadores de jornal; bullies; o policial da vizinhança; crianças andando de bicicleta; etc., com elementos extraordinários importados de outros gêneros, como monstros; robôs; alienígenas; fantasmas; bruxas; serial killers; espiões; conspirações; viagens no tempo; experimentos científicos; etc.
Sintaticamente, o subgênero é marcado por uma mistura do melodrama de amadurecimento do jovem e da resolução de seus conflitos interpessoais com a jornada. Ou seja, a história de protagonistas que superam suas questões emocionais e conflitos interpessoais através de ações físicas que envolvem coragem, força, destreza ou inteligência, ante a irrupção do fantástico em sua vida. Um exemplo emblemático é Elliot de E.T., que lida com o divórcio dos pais, enquanto precisa proteger um alienígena perseguido pelo governo. No final, ele se reconcilia com sua mãe quando ela percebe os atos heroicos do filho.
História
Para fins didáticos, proponho, nesta coluna, uma breve cronologia do subgênero desde sua origem, em 1982, até o presente momento.
- Night Skies (1982)
Depois de dirigir Encontros Imediatos de Terceiro Grau, produziu um projeto chamado Night Skies. O filme serviria de uma “sequência temática” para sua bem sucedida obra de ficção científica. Apesar da obra não ter saído do papel, ela inspirou as duas obras de Spielberg que seriam a gênese do suburbanismo fantástico segundo McFadzean: Poltergeist e E.T – O Extraterrestre. De acordo com o próprio Spielberg, um seria “sobre o mal no subúrbio e o outro sobre o bem no subúrbio”. O primeiro focaria no aspecto de uma família suburbana aterrorizada por forças sobrenaturais, situando-se justamente entre o suburbanismo gótico e o fantástico. O segundo, ao focar na irrupção do fantástico no cotidiano de crianças suburbanas, vai consolidar o que entendemos como suburbanismo fantástico.
A distância de lançamento entre os dois filmes foi de apenas uma semana. Poltergeist foi lançado nos Estados Unidos em 4 de Junho e E.T. em 11 de Junho de 1982. Foram, respectivamente, a nona e a maior bilheteria do ano (E.T. seria a maior bilheteria da História, sendo desbancado por Jurassic Park em 1993). O sucesso comercial e de crítica das duas obras influenciou uma série de filmes que seguiriam seus aspectos semânticos, sintáticos e sua estrutura narrativa, levando a gênese do subgênero aqui estudado.
- O Ciclo da Amblin (1982-1990)
Tanto Poltergeist quanto E.T. – O Extraterrestre fazem parte da Amblin Entertainment. A produtora de Steven Spielberg foi criada ainda na década de 1970, dentro da Universal Studios e contou com grandes nomes da indústria Hollywoodiana, como Frank Marshall e Kathleen Kennedy. Além das duas obras egressas do projeto Night Skies, ela produziu alguns dos mais influentes filmes do subgênero, como Gremlins, Os Goonies, a trilogia De Volta Para o Futuro, Um Hóspede do Barulho, O Milagre veio do Espaço e Aracnofobia.
- Produções Independentes e de outros estúdios (1983-1998)
Em paralelo aos lançamentos do estúdio de Spielberg, outras produtoras e estúdios acabaram por expandir o arcabouço semântico e sintático do subgênero, enquanto tentavam capitalizar em cima do sucesso de E.T. e dos demais filmes da Amblin.
Destacam-se filmes que tiveram importância ao trabalhar o suburbanismo fantástico dentro do gênero do horror, como A Hora do Espanto, Bala de Prata, Deu a Louca nos Monstros, Garotos Perdidos, O Portal, Brainscan e a trilogia Brinquedo Assassino. A animação também foi outro gênero que contemplou o suburbanismo fantástico com The Pagemaster – O Mestre da Fantasia, que mescla animação e live action, e o mais tradicional O Gigante de Ferro lançado no final dos 1990.
McFadzean também cita a influência do subgênero em outros países, como Espanha com Los Nuevos Extraterrestre (Juan Piquer Símon, 1983), Argentina com Los Extraterrestre (Enrique Carreas, 1983), Turquia com Badi (Zafer Par, 1984) e Homoti (Mudjat Gezen, 1987), Alemanha Ocidental com Joey: Fazendo Contato (Joey, Rolland Emmerich, 1985), África do Sul com Nukie (Sias Odental, 1987), China com Pi li bei bei (Song Chong e Luming Wen, 1988), França com Fim de Jogo (3615 code Père Noel, René Manzor) e Reino Unido com A Convenção das Bruxas (The Witches, Nicolas Roeg, 1990).
A Disney teve sua empreitada no suburbanismo fantástico com O Vôo do Navegador, Querida, Encolhi as Crianças, Abracadabra, Cheque em Branco e Flubber. Outro estúdio que contribuiu de forma contundente para o subgênero foi a Tristar, cujo Jumanji retornaria com uma das mais bem sucedidas franquias da década de 2010. Também destacam-se pelo estúdio Um Robô em Curto Circuito, A Hora do Espanto 2, a trilogia 3 Ninjas.
- O Suburbanismo Fantástico na TV (1989-1999)
O impacto de obras como Poltergeist e E.T. não se restringiu ao cinema. Ele se manifestou em seriados de terror infanto-juvenil como Contos da Cripta, Clube do Terror e Goosebumps — esta última baseada na prolífica série de livros e R.L.Stine, e que ganhou duas adaptações cinematográficas na década de 2010.
No entanto, a maior representante do suburbanismo fantástico na TV foi a série Eeirie, Indiana (José Rivera e Karl Schaefer, NBC, 1991-1993). A obra passava na emissora estadunidense NBC e trazia o famoso slogan “It’s not just a town. It’s an adventure” ou “não é apenas uma cidade, é uma aventura”. Nela, o adolescente Marshal Teller e seu melhor amigo Simon se veem em aventuras provocadas por habitantes e eventos estranhos da não tão pacata cidade que dá nome à série.
- A Decadência (2000-2010)
Apesar de já estar em franca decadência a partir de 1995, a década de 2000 seria o momento em que as audiências do suburbanismo fantástico “migrariam” de fato para os filmes de super herói e de fantasia. É claro que o subgênero nunca parou de fato: obras como Zathura: Uma Aventura Espacial, A Casa Monstro, Paranoia seriam feitas naquela década. Porém, nenhuma alcançou o sucesso de seus predecessores e nem conseguiu alavancar o subgênero novamente.
- O Suburbanismo Fantástico Reflexivo (2010-)
A partir da virada da década, um grande número de filmes e séries nostálgicos do suburbanismo fantástico original, da década de 1980 e de sua tecnologia, começaram a ganhar popularidade. São obras que tendem a equilibrar um olhar irônico sobre o período com o sentimento de conforto, segurança, felicidade e alegria evocadas pelas imagens que fazem referências aos anos 1980. Em minha tese de doutorado, categorizo esses filmes de três formas:
1) A partir do ciclo de remakes, sequências e reboots, como são o caso de filmes como Karatê Kid, Amanhecer Violento, A Hora do Espanto, Poltergeist, Uma Aventura de Babás, A Convenção das Bruxas e Os Caça-Fantasmas: Mais Além.
2) Pela ambientação de produções na década de 1980, como é o caso de A Ressaca, Super 8, Stranger Things e It.
3) Pelo uso de elementos semânticos e sintáticos típicos de produções daquela época, como músicas, roupas e referências como o caso de ParaNorman, Terra para Echo, A Babá e A Babá: A Rainha da Morte.
- O Suburbanismo Fantástico Periférico (2018-)
Esse momento é marcado por filmes como maior representatividade, trazendo mulheres, negros, latinos e pessoas não heterossexuais para o protagonismo dessas tramas. Ao fazê-lo, o subgênero dá conta de um maior número de elementos, como obras situadas em periferias urbanas, discutindo questões como abordagem policial, violência institucional, ancestralidade, etc. Algumas delas são A Convenção das Bruxas, Vampiros x The Bronx, Manual de Caça a Monstros, A Gente se vê Ontem e a trilogia Fear Street. Entre as obras precursoras desse ciclo estão As Criaturas Atrás das Paredes, Ataque ao Prédio e o brasileiro Mate-me Por Favor.
Referências
- McFADZEAN, Angus (2017). «The suburban fantastic: A semantic and syntactic grouping in contemporary Hollywood cinema». Liverpool University Press. Science Fiction Film & Television. 10 (1). Consultado em 4 de junho de 2024
- · McFADZEAN, Angus (2019). Suburban Fantastic Cinema: Growing Up in the Late Twentieth Century. New York: Wall Flower Press. p. 1
- · LAURIA, Pedro (2022). O Subúrbio e o Suburbanismo Fantástico (PDF). Niterói: Tese de Doutorado. p. 201
- · LAURIA, Pedro (2022). O Subúrbio e o Suburbanismo Fantástico: Mito, Reafirmação e Disputa (PDF). Niterói: Tese de Doutorado. pp. 241–242
- · LAURIA, Pedro (2022). O Subúrbio e o Suburbanismo Fantástico (PDF). Niterói: Tese de Doutorado. pp. 219–235
- · McFADZEAN, Angus (2019). Suburban Fantastic Cinema: Growing Up in the Late Twentieth Century. New York: Wallflower Press. ISBN 9780231548632
- LAURIA, Pedro (2022). O Subúrbio e o Suburbanismo Fantástico: Mito, Reafirmação e Disputa (PDF). Niterói: [s.n.] pp. 219–251