O BaixadaCine é um coletivo de pessoas ligadas ao cinema e à produção cultural na Baixada Fluminense. Um de seus principais objetivos é a construção do Instituto de Cinema e Artes BaixadaCine, uma escola de cinema com cursos, cinemateca e cineclube, situada no bairro de Apolo XI, em Belford Roxo. O coletivo, inclusive, está fazendo um financiamento coletivo para arrecadar o dinheiro necessário para finalizar a construção. Junto a inauguração do espaço, será lançado o “1o Festival Cinema de Pedreiro” com mostra de filmes realizados por cineastas da periferia. Abaixo, você confere a entrevista com Sandro Garcia, idealizador e fundador do coletivo. A entrevista foi realizada por Pedro Lauria, editor geral do OCA-UFF, em Maio de 2024.

1) O BaixadaCine é um coletivo de moradores de Belford Roxo que trabalha com cinema. Você pode falar um pouco mais dele, das pessoas envolvidas e de sua origem?

BaixadaCine é um coletivo de pessoas ligadas ao cinema e à produção cultural na Baixada Fluminense que acreditam na democratização do acesso ao cinema atuando com produção, exibição e formação cinematográfica. A formação da organização se deu a partir de cidadãos do município de Belford Roxo que perceberam a carência cultural da região e a necessidade de produzir cinema a partir da periferia. O coletivo hoje conta com 9 pessoas, majoritariamente de Belford Roxo e o resto dividido entre outras cidades da Baixada Fluminense.

2) Alguns dos filmes produzidos pelo BaixadaCine foram exibidos em festivais como o Visões Periféricas e Mostras como a Mostra Tiradentes. Você pode falar um pouco mais dessas produções e da importância delas para a consolidação do Coletivo?

Consideramos importante todas as produções do BaixadaCine (atualmente mais de 20),
mesmo as que não estiveram em festivais ‘’renomados’’, temos uma caminhada no cineclubismo que se mostra talvez mais importante que estas janelas de exibição em festivais. Mas é um costume do coletivo inscrever filmes em festivais e sabemos da importância. Sandro: Particularmente acredito que cada filme tem sua própria janela, ou seu nicho. Nem todo filme é pra festival convencional, até porque ainda falta muito pra termos um cenário de curadoria que entenda todo processo de produção no Brasil hoje. Como curador, acredito que ainda seja um cenário bem limitado, elitizado e pouco diverso.

3) Vi que algumas dessas produções, como o “Ladeira Não é Rampa” foi colocada no YouTube do BaixadaCine nesse ano. Qual a importância de disponibilizar esses filmes para o público?

Todos os filmes do coletivo, após um período de rodando em festivais, são disponibilizados no youtube/internet. Não vemos muito sentido em manter o filme ‘’na gaveta’’. Olhando pro cenário, existem produtoras que ficam ⅔ anos com o mesmo filme em festivais. Pro baixadacine isso não chega a fazer sentido algum. Primeiro que você tira a vaga de novas produções nessas janelas que já são limitadas, e segundo que, o coletivo em si, tem uma média de mais de 4 produções por ano. Ou seja, existem filmes nossos que nem colocamos em festivais. A importância de colocar numa plataforma gratuita é atingir um público diferente dos festivais, visto que, em nossa experiência, é um público um tanto ‘’bolha’’. Realizadores assistindo realizadores. Pouco se fala de uma formação de plateia/público. Acho que o cineclubismo performa de forma mais eficaz nesse setor, mesmo que não seja um movimento tão ”legitimado’’ quanto alguns festivais.

4) O objetivo central de vocês tem sido a criação do Instituto de Cinema e Artes Baixada Cine, uma escola de cinema situada no bairro do Apolo XI, em Belford Roxo. Como surgiu o impulso da realização desse projeto?

Sempre foi uma meta do coletivo. Já realizamos diversas oficinas de cinema em espaços diversos de Belford Roxo prioritariamente, mas também em diferentes locais do Rio de Janeiro. Foi um processo natural pensar sobre. A gente já produz (nossos filmes), já exibimos (nosso cineclube) e já formamos (nossas oficinas/cursos), já distribuímos ( vendemos nossos filmes inéditos via pix), um espaço nosso para colocar essas metodologias em prática sempre foi crucial. Parcerias são sempre bem vindas, mas agora com um espaço próprio, podemos pensar nesses cursos mais a longo prazo. Pensar uma sala de exibição mais estruturada, pensar uma cinemática. Além de uma descentralização. De forma até meio constrangedora de dizer, não faz sentido pegar 2,3 ônibus pra fazer cinema. O cinema já existe nas periferias, já existe em Belford Roxo. Já temos grandes cineastas, já temos excelentes professores, arte educadores… A gente só não tem as melhores estruturas para colocar isso em prática. Ainda.

5) Quais são os maiores desafios de implementar a ideia do BaixadaCine? E como eles estão sendo transpostos?

Como eu disse acima: É um problema estrutural. Falta equipamento público, política pública e cultural. Fora isso, a gente não se vê fazendo cinema em outro lugar. Sempre foi muito prazeroso produzir na baixada fluminense. Existe um pertencimento muito evidente quanto a
isso atualmente nas periferias.

6) Quais são as maiores potencialidades que vocês mapearam na região para a implantação do projeto?

Uma grande cena e um grande mercado cinematográfico. Belford Roxo tem 600 mil habitantes.Isso equivale a 6 Leblons. Em cada oficina que a gente deu na cidade (oficinas de um mês, por exemplo), saíram 4 filmes no mínimo. Em turmas de 20 pessoas. Alunos nossos hoje trabalham com cinema, cineclubes foram formados, coletivos, produtoras. Filmes que saíram da oficina foram premiados. E pra ser sincero, isso não representa nem 2% ainda da demanda da cidade.
Há muito a ser feito e a muito a se ganhar com cinema nessa cidade. O cinema aqui ainda tá num processo embrionário, mas numa crescente muito grande. Além do que, a escola de cinema vai favorecer os 13 municípios da baixada, e adjacências. Em nossas oficinas, pessoas de São Gonçalo já vieram pra Belford Roxo estudar, por exemplo. Todas as oficinas que demos tiveram auxílio de passagem e alimentação, no mínimo.

7) No Brasil, os cinemas estão cada vez mais raros. Além disso, os cinemas têm se tornado cada vez mais elitizados – com ingressos caríssimos e restritos a regiões mais abastadas. Qual a importância, nesse contexto, da organização de CineClubes e de uma Cinemateca – dentro do Instituto?

Primeiro a cinemateca: Temos que guardar essas memórias. Inclusive escrever mais livros sobre isso (estamos escrevendo um). É fundamental uma cinemateca na Baixada Fluminense. Para além de um resultado final em filme, precisamos guardar esses processos para a posteridade entender o que estamos fazendo, entender nossa linguagem, nossos porquês. E são muitos.

O cineclube tem o papel de formar plateia, exibir filmes que não estão na Netflix, colocar o cinema em um lugar de lazer, colocar o cinema em lugares onde não temos cinema, colocar o cinema em espaço não convencionais. Acredito que a vivência cineclubista seja um dos trabalhos de base mais fundamentais do cinema.

8) Vocês também pretendem criar cursos de Cinema. Quais os cursos que já estão no forno? No princípio ele será voltado para uma formação mais teórica ou mais prática?
O BaixadaCine já um histórico de cursos/oficinas. A escola pretende ter uma visão mais prática que teórica. Mas é sempre um equilíbrio das
coisas. Em nossas edições mais curtas, como as de um mês, dividimos 4 sábados, por exemplo. Dois teóricos e dois práticos, além de uma sessão de cineclube com os resultados finais produzidos.
Cursos de roteiro, direção, produção, curadoria, cineclubismo, atuação, etc. Tudo está nos planos. Além de uma meta de trazer cineastas já consagrados que temos parcerias, inclusive de outros estados com oficinas periódicas para gerar uma troca mais ampla.

9) Junto a inauguração do BaixadaCine se dará o lançamento do “Festival Cinema de Pedreiro”, com três mostras temáticas: Mostra Nacional; Mostra BXD (voltada pra filmes produzidos na Baixada Fluminense); Mostra Belforroxense. Vocês poderiam falar um pouco mais sobre o festival?
O festival também era um desejo antigo do coletivo. Culminou para acontecer junto com a inauguração da escola. É mais um movimento nosso para debater o cenário atual do cinema brasileiro. O festival busca descentralizar, dar oportunidade, fazer uma curadoria ampla e diversa que visa exibir bons filmes que não geralmente não são exibidos, até em forma de crítica a festivais convencionais.
Em nossa opinião, festivais de cinema deveriam ter cota como regra, por exemplo. Cota pra cineasta estreante, cota para negro, LGBT, periféricas e quaisquer minoria. Só assim a gente passa a assistir e debater com seriedade um cinema diante de tanta desigualdade. O festival
cinema de pedreiro será sobre isso.

10) Quais os grandes aprendizados dessa empreitada que vocês podem compartilhar com estudantes e amantes de cinema?
Dá pra dizer que nesses oito anos de BaixadaCine o grande aprendizado é que existe um cinema possível. Não estamos falando de câmeras 4k, não estamos falando de programas de edição caro, não estamos falando de grandes equipamentos e CNPJ’s que custam mais que uma casa em uma periferia. Estamos falando de cinema, de arte, de ser artista. O cinema hoje está numa crescente nas margens, a gente não quer mais sair do nosso território para adquirir conhecimento. Temos uma linguagem aqui, um cenário, muitas histórias, ancestralidade, muito recurso cinematográfico inédito. Temos uma potencial classe trabalhadora artista muito potente.

11) Como as pessoas podem ajudar o BaixadaCine e o Instituto de Cinema e Artes?
Bom, como alguns já sabem, a gente tá nessa luta para concluir a obra da escola. Falta a parte elétrica e um banheiro. Estamos com uma vakinha no pix e quem quiser ajudar a CHAVE PIX é essa: baixadacine@gmail.com Até o momento que escrevo, nossa vakinha estava com 40% da meta. Todos que doarem acima de 10 reais, terão o nome escrito no mural da escola futuramente.
Aos que não puderem ajudar financeiramente, ajuda a divulgar nossa campanha nas redes sociais nosso instagram @baixadacine

12) Um espaço para você deixar suas considerações e falas finais.
A gente tá numa luta do recurso vir até nós. Além de um entendimento que nós somos o recurso mais valioso. Ser um cineasta da baixada e sair da baixada para ter que trabalhar no Rio, por exemplo, é levar recursos pra lá. A gente quer trabalhar perto de casa. Queremos viver de nossas profissões, viver de cinema. Queremos trabalhar perto de casa, ir ao cinema perto de casa. Qualidade de vida.

Sandro Garcia é cineasta belforroxense idealizador e fundador do Coletivo BaixadaCine, Cineclube Velho Brejo, ambos atuantes na Baixada Fluminense no eixo de produção, exibição e formação cinematográfica com foco na democratização do acesso, além da atuação em educação cinematográfica voltada para o público infantil com o Cinelab Infantil .

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