Crítica escrita por Edeizi Monteiro Metello para a cobertura da 13ª Mostra Cinema e Direitos Humanos.
A sessão do programa Sementes foi composta por Ribeirinhos do asfalto (2011, Jorane Castro), Adão, eva e o fruto proibido (2021, R. B. Lima), Nossos espíritos seguem chegando (2021, Kuaray Poty (Ariel Ortega), Bruno Huyer), Me farei ouvir (2022, Bianca Novais, Flora Egécia) e Escrevivência e resistência: Maria Firmina dos Reis e Conceição Evaristo (2021, Renato Barbieri e Juliana Borges).
Ribeirinhos do asfalto (2011) é um curta-metragem que conta a história de Deisy, moradora da Ilha do Combu que gostaria de morar em Belém e sua mãe – que a ajuda nesse objetivo. Adão, eva e o fruto proibido (2021) é um filme que mostra a relação de uma mulher transexual e seu filho que retornou de um tempo afastados, ambos agora enfrentam desafios na convivência cotidiana. Nossos espíritos seguem chegando (2021) retrata a gravidez de Pará Yxapy, indígena Mbya Guarani, e sua convivência com sua família durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. Me farei ouvir (2022) é um filme que discorre sobre a sub-representação feminina na política brasileira, trazendo as narrativas de mulheres que já conquistaram esse espaço. E Escrevivência e resistência: Maria Firmina dos Reis e Conceição Evaristo (2021) é o 11º episódio da série televisiva Libertárixs, dedicada a personagens negros pouco conhecidos da história do Brasil, sendo esse sobre as escritoras Maria Firmina dos Reis e Conceição Evaristo.
Nessa sessão, o direito das mulheres esteve em maior foco. No primeiro filme, Ribeirinhos do asfalto, Deisy representa a esperança de uma vida melhor e a quebra de um padrão estabelecido em sua família, o da submissão de uma mulher em relação ao marido. Também evidencia os desafios da maternidade. Mesmo com dificuldades dentro da estrutura familiar, a mãe não deixa de estimular a filha e apoiá-la em sua decisão de ir para Belém. Essa ideia é carregada para Adão, eva e o fruto proibido, dessa vez com dificuldades diferentes. A questão da maternidade recai em cima de uma mulher trans e seu filho, que não convivia com ela e passa a dividir a mesma casa. A mãe nesse filme também busca apoiar o filho em suas decisões e ele, por sua vez, tem suas próprias questões de identidade para lidar. O relacionamento entre os personagens é construído de forma sutil e delicada, com planos mais lentos que onde falam através de palavras comedidas e pequenas ações, como quando a mãe traz um lanche para seu filho após ele perder a competição de dança. Ao mesmo tempo, há uma exposição breve sobre os desafios de uma gravidez (supostamente) interrompida, bem como os efeitos emocionais na mãe, assim que ela percebe a situação em que se encontra. É importante trazer essas questões sobre o aborto expontâneo para discussões sobre gravidez pois há uma chance de a gravidez ser interrompida por causas naturais. A mulher – assim como em outros contextos – pode acabar sendo julgada por algo que nem estava no controle dela.
A relação da mulher com a maternidade segue ainda para o próximo filme, Nossos espíritos seguem chegando. Nesse, a maternidade está em seus estágios iniciais, ainda durante a gravidez. A mãe se diferencia das outras por ser indígena e estar num grande núcleo familiar. É um filme que mistura elementos de ficção com documentário. Assim como o anterior, ele também é delicado, deixando as personagens falarem sobre sua vida diária e suas crenças, construindo uma atmosfera bucólica e até isolada do caos da cidade, das pessoas brancas, das doenças delas, em especial a pandemia de Covid-19 que ocorre durante a narrativa.
Já em Me farei ouvir, não há mais tanta ênfase na questão da maternidade, mas sim na ocupação de espaços por mulheres. Nesse caso, o espaço da política. As mulheres entrevistadas discorrem sobre os desafios e conquistas de suas carreiras, tendo cada uma delas um desafio diferente. O filme é muito rico em relatos de diferentes experiências e a forma de documentário expositivo facilita a aproximação de quem pode não estar muito familiarizado com a discussão sobre a falta de representação das mulheres em espaços de poder. Esse filme é um ponto de virada da sessão para um lado mais expositivo, que começou – ainda que mais brando – pelo filme anterior e é carregado até o fim da sessão.
Por fim, a sessão se encerra com Escrevivência e resistência: Maria Firmina dos Reis e Conceição Evaristo. Esse episódio da série continua o raciocínio de ocupação dos espaços por mulheres, mas dessa vez o espaço é o artístico, mais especificamente o literário e as mulheres são mulheres negras. Através do episódio, é possível ver as barreiras impostas logo cedo para elas, como Maria Firmina dos Reis quebrou essas barreiras, mas permaneceu desconhecida até muitos anos depois de sua morte ter seu trabalho colocado em evidência. A trajetória e importância de Conceição Evaristo também é expressada, o episódio fica ainda mais rico com as entrevistas que a autora dá. Tudo é bem expositivo, com explicações de narradores que contam as histórias das duas mulheres e animações que ilustram seus respectivos trajetos no caminho da literatura.
A sessão Sementes demonstra, assim, que as sementes do futuro incluem dar voz e espaço para as mulheres, de forma que elas falem sobre suas vivências, seja como mulheres não-brancas, cis ou trans. Dessa forma, é possível abrandar as dificuldades já enfrentadas e construir um futuro melhor.