Crítica escrita por Edeizi Monteiro Metello durante a 13ª Mostra Cinema e Direitos Humanos. A sessão do Programa Frutos 2 foi composta pelos filmes Tesouro quilombola (2021, Ana Bárbara Ramos, Felipe Leal Barquete), Mutirão, o filme (2022, Lincoln Péricles), Cósmica (2022, Ana Bárbara Ramos), e O pato (2022, Antonio Galdino).

Tesouro quilombola (2021) é um curta-metragem que mostra a caça ao tesouro de crianças do Quilombo Gurigi-Ipiranga (PB), em busca de informações sobre sua ancestralidade e relatos históricos. Já Mutirão, o filme (2022) é uma obra na qual uma criança descobre como o movimento popular Povo em Ação construiu as moradias de sua comunidade. Em Cósmica (2022), uma criança é a forma que uma extraterrestre assumiu para falar dos problemas da Terra causados pelos adultos. Por fim, O pato (2022) retrata uma mulher, Cida, que está cansada de lidar com o abuso doméstico, tem uma filha para cuidar, e decide acabar com a violência que a perturba, preparando uma refeição para seu companheiro.

Os filmes dessa sessão têm como tema questões relacionadas à ancestralidade, ao direito à terra, ao combate a diversos tipos de violência e à preservação do meio ambiente. Isso ocorre de forma mais documental em Tesouro quilombola e Mutirão, o filme, enquanto em Cósmica e O pato isso ocorre de forma mais ficcional.

Os primeiros curtas são bem lúdicos, principalmente por possuírem crianças guiando a ação. Tesouro quilombola remete à infância, às brincadeiras, às experimentações que são comuns a essa fase da vida, e como essas crianças têm tanto em comum com crianças de outros lugares e que possuem a mesma idade. A câmera instável também reforça isso, com a ideia de crianças que seguram um objeto, mas por ainda estarem aprendendo a lidar com ele, devido a essa época se tratar de primeiras vezes, acabam segurando de algum jeito irregular, mas esforçado. Esforço esse que as crianças também fazem ao buscar aprender sobre objetos importantes de sua comunidade e cuidado e respeito ao entrevistar pessoas importantes para a história do lugar de onde vieram, bem como é visto na organização da brincadeira de adivinhação e na cápsula do tempo enterrada para futuras crianças descobrirem e aprenderem com o que elas já fizeram.

Mutirão, o filme também possui o mesmo ar lúdico. A criança que narra e que também brinca é livre para fazer perguntas sobre as fotos históricas e os locais que visita. Esse curta possui uma grande quantidade de fotos, o que torna ele bem estático, mas não parado, pois a criança que investiga não deixa de falar e comenta sobre suas percepções, assim que elas aparecem.

Cósmica também segue na mesma linha de brincadeiras ao colocar uma personagem principal criança. Dessa vez, a narração é mais ficcional, e a criança aparece realizando tarefas do cotidiano e contando sobre como a pandemia de Covid-19 afetou ao mundo, ao mesmo tempo que discute questões ambientais que acarretaram nesse incidente. Visualmente, é um dos filmes que mais se difere dos demais da sessão, por possuir uma imagem em preto-e-branco e granulada. É possível especular que essa escolha tenha a ver com a decadência da própria Terra e como ela está passando por problemas insustentáveis que são capazes de torná-la inabitável em breve. Ou, ainda, que tenha a ver com a origem da personagem e como pessoas de seu lugar de origem não possuem acesso ou ainda não inventaram câmeras que capturam imagens coloridas ou de maior qualidade, o que distancia a personagem de uma vida mais longe dos rápidos (e destrutivos) avanços tecnológicos da espécie humana e a aproxima de uma vida mais lenta e voltada para cuidados do meio ambiente.

O pato encerra a sessão em um tom mais sério, mas ainda com uma criança presente. Dessa vez, ela não é a protagonista, posto que é dado à sua mãe. E essa mãe, no filme, que não possui diálogos, grita a violência sofrida pela personagem principal em seu silêncio. A cada movimento da personagem, é possível perceber seu arrependimento e amargura, em planos cuidadosamente compostos que revelam a origem humilde da família. Conhecedora dos remédios (e venenos) que a terra dá, a protagonista toma uma decisão para mudar a sua vida, até mesmo para proteger a sua filha. Acabar com o matrimônio, no seu caso, não poderia resolver seus conflitos, e talvez acarretaria mais violência no longo prazo, advinda de um marido insatisfeito com o fim da relação. Então ela decide acabar com a vida dele mesmo, e sorri, satisfeita, consciente de que retomou o controle da sua vida a partir dali. Essa personagem é tão protagonista que a face de seu então marido nem é revelada, e ele aparece de costas ou apenas parcialmente. Ela é grande demais até para a história que está mostrando, e não cabe um homem violento nela.

O nome do programa, Frutos, remete ao que foi colhido após ser plantado e amadurecido. Dessa forma, os filmes também se conectam por possuírem crianças, metaforicamente os frutos desse tempo, e o que elas são capazes de fazer, bem como o que elas potencialmente podem ser. É possível ver, através delas, o que já foi feito e o que deu certo. Os curtas, também, são frutos, pois passaram por um processo de plantio e amadurecimento até chegarem ao que são, finalizados, editados, publicados.

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