Crítica feita por Giovana Lopes, estudante de Cinema e Audiovisual da UFF, durante a cobertura da 27a Mostra de Tiradentes.
Sinopse: Nadi é uma androide com cidadania que ganha o direito de adotar duas crianças, David e Lina. Porém, um político e digital influencer sensacionalista cria diversas polêmicas sobre o caso, com o intuito de ganhar popularidade para sua candidatura de presidente do senado. Um mal entendido leva David a fugir e viver algumas aventuras. Consequentemente, Nadi tem que decidir entre ficar com a sua cidadania ou avisar da fuga às autoridades.
Em “Placa Mãe”, animação de Igor Bastos, uma Minas Gerais futurista é retratada trazendo discussões presentes na sociedade atual, como inclusão e desigualdade social, de uma forma criativa. A trama, envolvendo uma robô androide que decide adotar duas crianças humanas, traz questionamentos como: o que é considerado uma família? Quem pode julgar a noção de humanidade do outro? O diretor decide trabalhar com isso por meio de alegorias: a protagonista, que, de certo modo, referencia-se de vivências de pessoas LGBTQIA+, lida com o preconceito de uma sociedade que a considera incapaz de cuidar de dois irmãos que, graças a essa mesma sociedade, vivem em áreas marginalizadas e não recebem o cuidado que merecem apenas por não ser considerada “humana” o suficiente, apesar de ter cidadania e, consequentemente, direitos. O filme realça, mesmo que de maneira sutil – por se tratar de um filme infantil –, a hipocrisia daqueles que se sentem no direito de decidir qual parte da sociedade é merecedora de respeito.
Um destaque na obra é a clareza na abordagem política trazida em uma animação infantil. Um dos maiores antagonistas, um político que deixa óbvio o quanto é contra a existência de robôs no cotidiano, mas, ao mesmo tempo, utiliza-os constantemente para espalhar suas mensagens de ódio. A própria trilha sonora evidencia a desesperada tentativa de se mostrar superior ao local que vive, uma vez que as músicas utilizadas nas cenas do político são majoritariamente em inglês, com destaque para “Poison Ivy”, que possui uma versão em português intitulada “Erva Venenosa”, muito popular no Brasil pela voz de Rita Lee. Apesar da clara mensagem de que os pensamentos e ações desse personagem são erradas, não se pode deixar de notar que a existência de personalidades similares não é tão distante da realidade por volta de todo o mundo.
Igor Bastos leva aspectos de uma humanidade atual para o futuro ao focalizar a trama nos preconceitos sofridos pelas minorias e na forma com que elas os recebem. Afinal, a resposta daqueles que sofrem tende a ser proteger a si mesmos e àqueles que os importam. Os personagens se encontram em uma estrutura familiar de segurança e confiança mesmo quando a maioria das pessoas em seu entorno tenta invalidar seus sentimentos por fugirem do padrão imposto pela sociedade – a mesma que invisibiliza as crianças até o momento em que elas possuem a chance de serem adotadas. O ponto chave de discussão entre os personagens durante o longa não é a falta de oportunidade que o casal de irmãos possui de encontrar uma família, mas, sim, de que maneira a família que eles encontram é composta. De modo exagerado, a personagem androide choca tanto ao querer passar pela maternidade, que, de certo modo, compara-se à população LGBTQ+, alvo de debates sobre o que eles podem ou não fazer, que vêm de uma parcela da população que não está inclusa nos benefícios e consequências que essas escolhas podem trazer.
Mesmo com debates importantes e atemporais, a obra também traz a leveza para conquistar o público alvo, as crianças, e, ainda por cima, traz referências à cultura brasileira. Com sua produção advinda do interior de Minas Gerais, a presença de elementos regionais, como a Maria Fumaça e o pão de queijo, dá um toque nacional apesar de se tratar de um futuro distante, além de apresentar a diversidade étnica das personagens, que representam a pluralidade do país.
Placa Mãe é um filme de temática bem marcada, mas de abordagem sutil. Personagens robôs com características humanas e personagens humanos com características robóticas juntam-se em uma atmosfera brasileira que mostra às crianças que é muito necessário conhecer o outro antes de qualquer julgamento. E relembra aos adultos a necessidade de atualizar pensamentos e ideias para que o futuro seja evoluído não apenas quanto às tecnologias, mas também quanto às atitudes.