“O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar.” Com esta frase do poeta Carlos Drummond de Andrade, conterrâneo do cineasta mineiro Breno Alvarenga, iniciamos as primeiras imagens de sua trajetória no circuito audiovisual, ele que vem  navegando e trazendo o mundo das imagens para a janela cinematográfica. Alvarenga é doutorando do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Comunicação pela UFPE e graduado em Comunicação pela UFMG. Como realizador audiovisual, roteirizou e dirigiu os curtas “Quatro Paredes” (2017), “Alta Frequência” (2021), “O Destino da Senhora Adelaide” (2022), “Camaco” (2022) e “Jardim Tropical” (2023).  E mesmo com a rotina de pesquisador e escrita da tese, vem trabalhando na fase de desenvolvimento de seu primeiro longa-metragem, “Bom Retorno”.  Os curtas de 2022, “O Destino de Adelaide” e “Camaco” vêm tendo boa repercussão e conquistando prêmios. “Camaco” foi selecionado no 51° Festival de Cinema de Gramado 2023.

 

Primeiros caminhos

Seus primeiros filmes foram independentes, como é comum no início da labuta de quem decide seguir a carreira no cinema.  A partir do curta “Alta Frequência”, todos tiveram incentivo público. Depois vieram os filmes “Jardim Tropical”, “Lugares Por Onde Ando” e “Bom Retorno”, todos com verbas  do Fundo Municipal de Cultura de Belo Horizonte. Já “Camaco” pelo Fundo Estadual de Cultura do Governo de Minas Gerais; e “O Destino da Senhora Adelaide” por meio da Lei Aldir Blanc.

Processo de produção

A disciplina e a paixão parecem ser uma das marcas de Alvarenga, pois ele só parte para os editais quando a ideia já virou roteiro. Além de priorizar o trabalho coletivo que se desenvolve em clima positivo, pois para ele, é muito importante sentir-se e deixar à vontade toda a  equipe, criando  um ambiente harmonioso e divertido no  set de filmagem 

O cineasta acredita que o cinema independente, feito com e no  amor, é algo muito potente e bonito. No entanto, enfatiza que “é essencial que sejamos valorizados, que nos paguemos, é o nosso trabalho.”   Alvarenga trabalha sempre com muita sensibilidade, pois admite que  ao receber a verba e dar início à formação  da equipe prioriza os profissionais com quem gosta de trabalhar, que  admira, e que percebe ter admiração pelo projeto e deseja fazê-lo dar certo. “É comum que eu fique pelo menos três anos com cada projeto, juntando todas estas etapas”, conclui.

O Destino da Senhora Adelaide

Durante a pandemia, o cineasta resolveu voltar para sua cidade, Itabira, Minas Gerais e passar um tempo com os pais. A casa dos pais dele ficava em frente à casa que era de sua avó, e isso o fez recobrar na memória as lembranças da avó e as situações vividas na infância.  Ele recorda que no final da vida dela, com um pouco mais de 80 anos, teve problemas com a memória e a linha narrativa do filme partiu dessa curiosidade de entender como funcionava a mente dela nos seus últimos momentos.  “No filme, a gente acompanha basicamente a vida mental de Adelaide, que oscila entre passado e presente, assumimos seu ponto de vista e escuta,” revela.
O filme é uma animação, mas a princípio, seria uma ficção live-action , mas em decorrência da  COVID-19, e levando em consideração que a personagem principal era uma idosa, não foi possível seguir com a ideia original. Segundo o cineasta, a decisão pela animação se deu de última hora e rendeu muito aprendizado. “No fim das contas, a animação se mostrou uma técnica bem mais interessante para pensar este caráter difuso e até onírico das lembranças da personagem.” Comemora.

O Destino da Senhora Adelaide participou de 12 seleções oficiais, pelo Brasil e em Portugal, recebendo  seis prêmios.  Breno Alvarenga divide a direção  com Luiza Garcia. A animação é de  Eloá Goulart, a partir da direção de arte de Otávio Garcia.

 

Camaco, no Festival de Cinema de  Gramado.

Incrível! Foi a palavra usada por Alvarenga para definir sua sensação ao saber que seu filme estava na seleção oficial do 51° Festival de Cinema de Gramado. Como ele nos disse: “é um dos festivais mais prestigiados, né?” e acrescenta: “ acho que todo realizador audiovisual brasileiro tem como objetivo um dia exibir um filme em Gramado. Confesso que fiquei muito animado e também curioso para saber como o filme será recebido por lá, tão distante de sua terra natal. Ainda me impressiona os lugares que o filme tem chegado, é muito bonito ver isso. “Até o momento, o curta “Camaco” passou por quatro seleções oficiais e recebeu dois prêmios, no 32° Cine Ceará, de melhor direção,  e no 16° Curta Taquary, com melhor edição.

O cineasta comemora as premiações e enfatiza que foi muito emocionante receber o prêmio do Cine Ceará, pelo fato de ser fora de Minas Gerais. “Perceber que esta história, lá do interior de Minas e por muito tempo menosprezada, ser valorizada em um festival tão importante e a tantos quilômetros de distância é algo que me fez ter certeza da importância do filme.” Vibra.

Afinal o que é Camaco ?

Camaco é um dialeto criado em Itabira, Minas Gerais, cidade em que o cineasta nasceu. Ele nos conta que a partir de uma inversão de sílabas e outras regras específicas, é possível se comunicar sem ser entendido. É uma tradição oral que, se acredita, surgiu no final do século XIX, quando a extração de minério se iniciou na cidade. Dizem que como os primeiros exploradores do minério eram ingleses e holandeses e, portanto, podiam falar entre si sem serem entendidos pelos trabalhadores, também os trabalhadores quiseram se comunicar sem serem entendidos pelos chefes – daí o Camaco. O dialeto resiste até hoje e muitas pessoas na cidade ainda o falam, mesmo que em outros contextos.

 

A ideia em prol do resgate

O cineasta mantinha uma preocupação de que o  Camaco foi por muito tempo considerado na cidade,  uma cultura de menor importância, pelo menos numa leitura histórica. Segundo ele, ao longo dos anos, diminui-se a quantidade de pessoas que falam o dialeto, entre os jovens, por exemplo, é mais raro encontrar quem fale. Ele confessa que o filme vem de um medo, dele e de seu pai, que deu a ideia do filme, de que com o tempo essa história fosse perdida, esquecida. Em 2021 com a publicação de um edital que tinha a ver com esta história, o desejo e a ideia começaram a vislumbrar a concretude.  “A Luiza Therezo, também de Itabira, topou assumir a produção e nos vimos, ambos, apaixonados pela história quando começamos a pesquisar, a descobrir e admirar uma Itabira que a gente não conhecia. Hoje falo do Camaco com grande orgulho. Gosto de saber que temos isso documentado. “ Comemora.

O futuro….

O cineasta e doutorando parece se equilibrar entre a escrita da tese e a cinematográfica. Em agosto, dirige novamente com Luiza Garcia, o curta-metragem “Lugares Por Onde Ando”. Segundo ele, se trata de uma espécie de fotofilme e mapa sonoro de alguns bairros de Belo Horizonte. Além disso, está próximo de terminar o roteiro do seu primeiro longa-metragem, o “Bom Retorno”. É, não temos dúvida de que esse mineiro de Itabira, assim como o poeta Drumond, tem certeza de que “o mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar.”

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