Escrito por Isadora Krummenauer, João Victor Pessanha e Julia Alimonda

 

O curta-metragem Alfazema (2019), dirigido por Sabrina Fidalgo, apresenta o dilema da foliã Flaviana (Shirley Cruz) que tenta se livrar de um amante (Victor Albuquerque) da noite anterior que se recusa a sair debaixo de seu chuveiro. Segundo os dados da Ancine de 2017, nenhuma mulher negra roteirizou, dirigiu ou produziu filmes de longas-metragens comerciais no Brasil, o que dá visibilidade aos preconceitos de raça e gênero que o país possui. Como aponta Preciado (2020), o problema não é que os homens brancos e héteros produzem ficções, o problema é deixar toda a nossa imaginação e criação ficcional sendo produzida pelos mesmos criadores. Por este motivo, o autor considera que as minorias político-visuais precisam invadir a sala de montagem e construir contraficções. O problema da representação se envolve diretamente com os modos de produção. É fundamental que outras pessoas criem outras histórias e a diretora Sabrina Fidalgo vem nos últimos anos conquistando seu espaço dentro do campo audiovisual brasileiro e se posicionando politicamente sobre as estruturas de produção audiovisual brasileira.

Alfazema é uma comédia que se utiliza da metalinguagem para construir um multiverso que aborda em primeiro plano a ficção vivida pela protagonista do filme. Além disso, o filme fala sobre o processo de se fazer o filme, e nos revela outra ficção. A narrativa também conta sobre a produção de um filme, brincando com uma grande fantasia de carnaval, carregada de significados culturais e históricos. O curta é o segundo filme da trilogia do carnaval, iniciado pelo filme Rainha (2016).

Aplicando o método de análise de cena proposto por McKee, este artigo apresenta a qualidade de composição de estrutura através de cenas com design clássico e introduz a potência criativa de cenas simbólicas, capazes de expandir significados. A partir disso, pretendemos analisar como a diretora trabalha as questões relacionadas à construção das sexualidades negras no contexto do carnaval, espaço simbolicamente associado à liberdade. Tradicionalmente, a sociedade ocidental cristã controlou os corpos, principalmente os racializados, e normatizou a sexualidade, reprimindo as mulheres. O carnaval é um espaço em que as normas são subvertidas, mas a culpa pelos desvios continua restringindo a protagonista.

A câmera de Alfazema possui um olhar curioso, está sempre passeando pelo espaço. Ela nunca está parada ou longe. Em movimentos carnavalescos, ela passeia pelos corpos, é levada pelo mar dos acontecimentos, como se estivesse em um bloco de carnaval, brincando com as personagens e participando dos imprevistos que acontecem na cena. A câmera na mão e a tentativa de realizar um plano-sequência fazem com que o filme tenha um ar realista, o que é fundamental para a história, já que uma das narrativas do filme é o processo de realização do próprio filme. O antecampo presente na narrativa também contribui para construir um diálogo entre realidade e ficção, abalando o regime representativo clássico e produzindo uma reflexão sobre o fazer fílmico (Brasil, 2013).

Apesar de Alfazema se passar no período do carnaval, uma festa tradicionalmente celebrada na rua, no espaço público, a narrativa acontece em um único ambiente fechado. A opção de realizar o filme em um só ambiente é uma forma de, através da metalinguagem, falar sobre o processo de fazer um filme de baixo orçamento. Por este motivo, o cenário é composto de apenas um ambiente. A personagem de Deus lembra a equipe de filmagem que eles foram gravar em uma mansão velha onde o dono fez um gato, revelando os baixos custos da produção e evidenciando as falhas e imprevistos que acontecem no filme.

O som tem um aspecto realista, acompanha a estética da imagem no que diz respeito à precariedade de recursos num filme de baixo orçamento. O foley é utilizado apenas nas cenas diegéticas do lustre em curto-circuito para a antecipação de um aprofundamento de camada dimensional, dando a sensação de que todo o restante foi captado em som direto. As músicas – quase todas de meados do século passado – aparecem no início e no fim do filme, como se assinalassem seu início e encerramento, deslocando o carnaval para épocas passadas, sinalizando que as questões vividas pela protagonista não são pontuais ou somente contemporâneas, superando uma possibilidade de evocação de uma nostalgia superficial. O filme se encerra com o samba dos anos 1960 Zelão, do Sérgio Ricardo, cuja letra melancólica se passa durante o carnaval, ressaltando o contraste entre um período associado à festa e à alegria com a tragédia e a tristeza.

 

1. Design Clássico e o método de Análise de Cena

Na tentativa de acessar o roteiro do curta-metragem Alfazema, o presente artigo se apropria do método de McKee, Análise de Cena, identificando quais elementos foram criados para construção de cenas e seus desdobramentos em uma estrutura narrativa de roteiro. Partindo da apresentação do formato de Design Clássico, para reconhecer como a criação de cenas simbólicas são essenciais para abranger todos os temas propostos por Sabrina Fidalgo, no subtexto da história.

No primeiro contato com o filme, é possível visualizar uma estrutura clássica: é uma história construída ao redor de uma protagonista, que luta contra as forças do antagonismo fundamentalmente externas para perseguir seu desejo, em tempo contínuo, dentro de uma realidade ficcional consistente e causalmente conectada (McKee, 2012). Flaviana é uma mulher que deseja curtir seu carnaval de forma desimpedida e livre, mas deseja especialmente vivê-lo sem culpa. A principal força antagonista de Flaviana é a culpa cristã e o boy em seu banheiro é a imagem simbólica dessa culpa. O homem faz o prenúncio da culpa: “uma mulher bonita assim tem que se dar ao respeito”.

A roteirista e diretora faz escolhas que amplificam os valores do filme, não somente a nível textual, trama em primeiro plano, mas criando elementos que apresentam um subtexto rico, baseado em problemas estruturantes da nossa cultura e sociedade. Para tanto, faz uso de cenas expositivas, onde recorre à qualidade cinematográfica de criar imagem e assim materializar novos sentidos. O uso proposital da palavra em cenas simbólicas permite uma reflexão para além do que está sendo mostrado ou dito (ou escrito) na tela.

Segundo McKee, o método para Análise de Cena consiste em dividi-la em padrões de comportamento tanto no nível do texto quanto do subtexto. Uma vez propriamente examinada, as escolhas feitas pelo roteirista ficam vividamente claras. Para tal, o autor propõe, primeiramente, definir o conflito. Desejos que entram em conflito direto, na primeira cena: Flaviana quer ir para o carnaval livre e desimpedida, para isso, manda seu amante embora de sua casa. O boy, por outro lado, não quer sair da casa dela. Os desejos estão em conflito direto, pois o que cada um deseja, impede a próxima ação do outro. Adentrando o subtexto, o objetivo de Flaviana não é mandar o boy embora, ela quer curtir o carnaval sem culpa, por isso precisa mandá-lo embora.

Após a identificação do conflito, identificamos o valor em questão e sua carga, positiva ou negativa. Segundo McKee, a alternância das cargas é o que colabora com a progressão da cena e da sequência, criando ritmo e abrindo brechas para a transformação do personagem e da trama. Para identificar os detalhes explícitos e subjetivos, quebramos as cenas em beats, que é uma troca em ação/reação capaz de mudar o comportamento dos personagens. É através da identificação do valor da cena (liberdade), ir só e sem culpa para o carnaval, que podemos compreender suas ações (mandar o homem embora) e acompanhar a transformação de comportamento dos personagens.

Normalmente, essa estrutura se dá através do diálogo e os conflitos que são criados entre os desejos antagônicos dos personagens. Quando Flaviana  recebe a ligação da amiga, o Incidente Incitante do texto, ela percebe que suas escolhas da noite anterior não foram as melhores, mas por que não? A protagonista entra em seu conflito interno, que carrega a trama (e o subtexto) até o final.

 

Análise de Cena Clássica: Flavina e o Diabo

O Diabo (Bruna Linzmeyer) aparece para Flaviana, revelando sua culpa (valor da cena). “Fez merda ontem, né?”, lhe interroga o diabo, que conduz a alternância de cargas entre positivo e negativo através do diálogo. Inicialmente, ele se posiciona como provocador da culpa, promovendo uma carga negativa na cena: “O que a gente vai fazer com a merda que você fez?”. Logo em seguida, ele quebra nossas expectativas (ou as reforça), ao debochar: “Foda-se”, transformando a carga em positiva. Ao realizar essa alternância, a sequência constrói ritmo e progressão da história de forma bastante fiel ao que os modelos de manuais de roteiro costumam propor, pois este formato é o formato que o público conhece e acompanha com facilidade. “Os princípios do design clássico são “clássicos” no sentido mais verdadeiro: eterno e transcultural, fundamental para toda sociedade terrestre, civilizada e primitiva, vindo de milênios de narração oral nas sombras do tempo” (McKee, 2012).

A sequência segue nesse jogo entre positivo e negativo até que a diretora corta a cena. A partir desse momento, ainda sob a ótica de uma estrutura clássica, a roteirista e diretora, desenha o Ponto de Virada da história, quebrando com a expectativa do público e revelando mais uma ficção dentro do universo lúdico do filme. Propondo ao público uma releitura e uma nova visão sobre o filme.

É a partir do ponto de virada que são assumidos elementos imagéticos, que reforçam de forma simbólica e explicita a escrita (o texto da cena) compondo corajosamente o subtexto da trama, propondo reflexões a partir da reafirmação dos temas abordados pelo filme, através de símbolos, mais especificamente palavras.

2. Os perigos e prazeres da sexualidade: as mulheres negras enunciam seus desejos criativos

O primeiro plano de um pênis purpurinado sendo banhado abre a narrativa de Alfazema. A maquiagem e as genitálias são mais uma evidência do carnaval, uma festa que é marcada por liberdade sexual e signos visuais vibrantes. Contudo, além da tradicional analogia entre a festa da carne, onde a corporeidade e o desejo estão presentes, o pênis do personagem masculino não ocupa todo o plano só para chocar o espectador. Invade a tela da mesma forma que o personagem invade o espaço de Flaviana, se recusando a ouvi-la e respeitá-la. A protagonista precisa lembrar ao homem que ela é uma mulher negra que tem um nome, possui subjetividades e seus próprios desejos. Mas o boy se recusa ativamente a escutar e a apelida com palavras românticas, carinhosas e atributos relacionados à sua beleza. Além disso, a nudez do personagem masculino altera as tradicionais representações do desejo onde as mulheres estão desnudas e os homens vestidos. No curta-metragem é o homem que aparece nu e todas as demais mulheres estão vestidas. Porém, a nudez não é fetichizada, serve mais para representar o carnaval como espaço de liberdade e mostrar como o personagem masculino se sente confortável no ambiente, criando um contraste com a tensão de Flaviana.

A personagem convidou o boy para a sua casa por seu desejo de transar com ele, contudo, também marca que não quer uma companhia fixa para o carnaval. Na narrativa, ela não é um mero objeto a serviço dos desejos masculinos, mas conquistar o seu espaço não é fácil. Liberdade sexual é também poder dizer não e é por este motivo que Flaviana marca seu espaço de recusa. Quando Flaviana se impõe, o personagem masculino a reprime, fala que essa atitude agressiva não combina com uma mulher bonita, ela precisa se dar o respeito. Uma frase clássica utilizada para disciplinar as mulheres que possuem comportamentos que não são esperados dentro das expectativas de docilidade feminina.

A vida sexual das mulheres está sempre envolta nas tensões entre a capacidade que o sexo tem de proporcionar prazer e a sua igual capacidade de produzir violências sexuais (Vance, 1992). O filme utiliza a ficção, o espaço lúdico do carnaval para marcar isso: nem tudo que envolve sexualidade é prazeroso, muitas vezes abarca violências, silenciamentos e opressões. Para Miller-Young (2014), a fetichização dos corpos negros, fruto do período escravocrata, colonial e heteropatriarcal produz discursos sobre a sexualidade que não incluem os desejos das mulheres negras. A hipersexualização faz com que os seus desejos sejam deslegitimados pelos homens brancos, que as enxergam apenas como objetos de prazer e silenciados pela comunidade negra, como uma tentativa de protegê-las das violências e estereótipos. Com medo de ter sua humanidade mais aniquilada do que já é, as mulheres negras inibiram sua sexualidade, como se ao falar sobre seus próprios desejos elas estivessem contribuindo para a objetificação.

Como hooks (2019) propõe, é preciso criar um espaço onde a sexualidade das mulheres negras possa ser nomeada, elas precisam ser entendidas como sujeitos desejantes. Por este motivo, a autora considera que o desejo precisa ser o centro das políticas feministas negras. Fidalgo consegue construir uma linguagem pela qual as mulheres negras falam sobre seus desejos, fantasias e recusas. As três mulheres negras em cena – Flaviana, Deus e a própria Fidalgo – são as enunciadoras dos seus próprios discursos de desejo. Elas falam o que querem e o que não querem.

Além disso, tanto Deus (que é interpretada por Elisa Lucinda, uma poeta) quanto a roteirista são figuras que possuem a capacidade de criar. Em um mundo onde as mulheres negras estiveram sempre ligadas ao corpo e nunca ao pensar (hooks, 1995), a diretora mostra a capacidade dessas mulheres de construir novas linguagens e fabricar narrativas através de uma divina expressão criativa, marcando que o contato com o divino, diferente do que a tradição cristã impõe, passa pela experiência e pelo prazer do corpo.

O carnaval é o espaço de questionar a norma e se liberar das repressões sociais. A personagem feminina segue seus desejos sexuais e convida o homem para sua casa, mesmo ciente dos perigos que podem existir ao estar sozinha com um homem desconhecido. Fidalgo inverte os estereótipos de gênero ao apresentar o homem como o perigoso por sua promiscuidade, ao invés de condenar moralmente as mulheres sexualmente ativas, é o homem heterossexual galinha que traz o perigo para a personagem, já que ele pode ter HPV. Depois que as amigas de Flaviana lembram de um dos perigos do sexo e o boy pergunta se ela não lembra de tudo que eles fizeram na noite anterior, bate o ácido que ela havia tomado e culpa por ter cedido aos prazeres da carne. Neste momento, a diaba aparece para atormentar a protagonista, aumentando seu desconforto com mais uma presença indesejada em sua casa. Aliás, é importante destacar que Deus, a diaba e a anja são figuras femininas. Tradicionalmente, tais seres costumam ser apresentados sob figuras masculinas ou andróginas, mas Fidalgo feminiliza esses seres sobrenaturais.

 

3. O masculino é o antagonista?

Ao termos uma mulher negra delimitando o espaço a ser ocupado por um homem, não experienciamos um processo de emasculação ou castração, mas uma apresentação de novas possibilidades de performar o masculino. Apesar do boy estar representando a culpa imposta às mulheres pela sociedade patriarcal, ele mesmo parece não estar tão seguro assim da pertinência desse estabelecimento.

Inseridos numa lógica capitalista patriarcal, é comum que homens negros e birraciais, por estratégia de sobrevivência, mimetizem a masculinidade patriarcal branca, mesmo que em aparente desconforto com tal prática. Diferente da representação cristã do Deus provedor, o panteão de divindades afrodiaspóricas apresenta ao menos nove possibilidades diferentes de representação do masculino. Essa fluidez se faz nítida na relação do boy com Flaviana. Soma-se a isso a pertinência das possibilidades de discussão do masculino quando o filme se passa no carnaval, que é a única época do ano que permite uma negociação dos homens em relação a um rompimento, ainda que temporário, com a masculinidade patriarcal branca monolítica. Nele é possível dar vazão a aspectos comportamentais associados ao feminino: o afeto, as roupas, os abraços e a purpurina.

O filme parece oferecer ao espectador uma desconstrução do que bell hooks (2019) chama de “sexualidade desviante” ao qual as pessoas negras são associadas. Nessa teoria racista, as pessoas negras – por sua suposta aproximação com o mundo animal – proporcionariam uma experiência sexual, animalizada, desviante. A iminência constante de uma relação sexual entre os personagens é sistematicamente quebrada pelas falas da Flaviana e sua recusa ao ceder aos encantos do boy, que, por sua vez, também parece não estar muito preocupado em desempenhar uma performance sexual ativa, evidenciando outro traço da fluidez do masculino negro, trazido por hooks, que é a sua relação com o ócio e a contemplação e sua facilidade maior em expressar sentimentos. O boy se comunica de maneira arrastada, quase que em câmera lenta, evidenciando um deslocamento do tempo e o distanciamento do homem em relação às angústias experienciadas por uma mulher negra, sobretudo no que diz respeito ao sexo.

O pênis, em primeiro plano no início do filme, pode ser lido como mais uma assinatura da presença simbólica de Exú, o orixá relacionado ao Carnaval. Nas religiões afrodiaspóricas Exú é representado pelo falo e a sua ereção simboliza sua força. Mostrar o boy com o pênis não ereto nos abre a possibilidade de uma conversa com a desconstrução do falocentrismo e um diálogo com novas possibilidades de performar o masculino: o falo não ereto desautomatiza a sua associação à virilidade, valor superestimado e responsável pela opressão de homens e mulheres na relação com o masculino. O modo arrastado com que o boy se comunica traz outra assinatura simbólica: a presença do Malandro, a apaixonante entidade afro-brasileira masculina conhecida por conquistar muitas mulheres sem se compromissar com elas, mas que performa uma masculinidade mais fluida, afrouxada, fazendo uso da “virilidade” apenas para defender-se de outro homem.

Apesar do aparente antagonismo, por estar na posição contrária e fomentar a insegurança de Flaviana em relação a sua liberdade sexual, o boy, mesmo simbolizando a presença do patriarcado, também traz a função de desconstrução do mesmo na forma como é apresentado, desconstruindo também o conceito clássico do anti-agón. O seu caráter também é verticalizado na medida em que ele escuta as angústias de Flaviana e se apresenta sexualmente disposto somente após reconhecer a subjetividade da protagonista: chamando-a pelo nome correto e se apresentando em seguida, expondo sua subjetividade também. Essa escuta é, justamente, uma das principais reivindicações da pauta feminista enquanto papel do masculino.

 

Conclusão

Alfazema é um curta-metragem extremamente criativo e rico em material de análise. Sabrina Fidalgo utilizou o espaço do carnaval, uma festa que faz parte do imaginário afetivo brasileiro, para fazer um filme lúdico, que brinca o tempo todo com a linguagem e com processo de criação cinematográfica. Assim como o carnaval, a ficção é um espaço onde a norma pode ser subvertida, outras realidades podem ser criadas. As experimentações – sejam elas artísticas, com drogas alucinógenas ou experiências religiosas – são ferramentas fundamentais para produzir reflexões sobre o mundo que nos cerca. Como nos lembra Lorde (2020), o capitalismo racista e patriarcal reprimiu o erotismo. Ele não está puramente relacionado ao ato sexual, mas é a força criativa e consciente que nos move. Alfazema é também um filme sobre o desejo intenso de criar.

A trama possui um final fechado para cada conflito, criando desfecho para o dilema da protagonista que aparentemente se livrou da culpa e beija seu amante, se libertando para o sexo casual novamente. O antagonista consegue conquistar Flaviana e assim permanecer em sua casa. A diretora que finaliza o filme a tempo de pegar o bloco e Deus que consegue participar do filme – algo que sempre quis fazer. Todos curtem o carnaval. Contudo, novamente a roteirista-diretora optou por quebrar nossas expectativas, reforçando uma camada subjetiva da trama do filme ao colocar a protagonista Flaviana falando “Corta! Agora vamô filmar valendo”.

Nossa análise não busca exaurir todos os pontos abordados por Sabrina, mas aprofundar as questões que se mostram como pilares da obra. Camadas outras, mais profundas, podem ser reveladas e abordadas através de olhares de outros campos que não mergulhamos aqui: aspectos filosóficos sobre o real, o divino, o uso de entorpecentes e o sexo são exemplos da riqueza de questões e desconstruções provocadas por Sabrina Fidalgo. Alfazema nos traz novas informações a cada vez que é assistido, nos convidando a participar da sua construção.

 

Bibliografia

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