Crítica escrita por Gabriela Capper.

Uma sequência de imagens aéreas de um sobrevoo pela cidade de Niterói inicia o filme Salut, mes ami.e.s! (Liliane Mutti, 2022), levando o espectador para dentro do CIEP 449, uma das poucas escolas integrais do estado do Rio de Janeiro, e a única escola pública franco-brasileira da América Latina. Trata-se de um documentário que convida o espectador a acompanhar parte do cotidiano de um grupo de estudantes da 3a  série do Ensino Médio do CIEP Governador Leonel de Moura Brizola – Intercultural Brasil – França.

De modo sensível, o filme reflete sobre esse importante momento da vida dos jovens estudantes, quando estão concluindo o último ano escolar e fazendo planos para um futuro que está ali, logo à frente e fora dos muros da escola. A presença do cinema na escola, seja em exibições de filmes, em projetos educacionais ou, como nesse caso, na produção de um filme junto a uma cineasta, todas essas formas de estar com o cinema, são valiosas para os estudantes, pois “a escola representa hoje, para a maioria das crianças, o único lugar onde o encontro com a arte [cinema] pode se dar” (BERGALA). Diante da câmera, os jovens revelam suas histórias de vida, contam como superam as adversidades no dia-a-dia. Segundo a diretora, o documentário se desenrola “em ritmo de live action, sem depoimentos ou abordagens mais formais”.

O processo de realização do filme foi interrompido com a chegada da pandemia de covid-19. Por força das circunstâncias, uma parte das filmagens foi feita na escola e a outra parte precisou ser filmada à distância. “A criação no cinema como em outras artes, de início é “cosa mentale“, antes de tornar-se operações concretas, de se confrontar com o real, mesmo que o real, no cinema mais do que em outra arte, imponha sempre a sua presença” (BERGALA).  Mutti conta que, sem muita preocupação com a ordem cronológica das filmagens, o filme foi “costurado” na ilha de edição.

A montagem, assinada por Daniela Gonçalves, opera com as durações dos planos, criando uma dinâmica rítmica interessante para o filme. Uma montagem rítmica baseada no conteúdo interno dos quadros, por vezes, as imagens se aceleram em planos curtos,  em outras são ralentadas, como é o caso dos planos mais longos que se demoram nas imagens da arquitetura do CIEP.  O diretor de fotografia Daniel Zarvos explora – arcos, grades, rampas – que se destacam como geometrias, perspectivas e nuances de luz nas imagens. Ângulos, linhas e formas funcionam como elementos estéticos, plasticidade privilegiada que a arquitetura assinada por Oscar Niemeyer proporciona ao filme.

“São equilibristas, essas crianças”! Como diz a letra Des équilibristes, interpretada pela cantora francesa Clio, na canção que faz parte da trilha musical do filme, junto com De Paris à Rio, de Flavia Coelho, “Aqui é carioca/Rio, bateria, samba/Meu país está dentro de mim/Mas eu deixei minha terra”, um reggae. Em outro trecho a letra diz, “Hoje foi Deus que quis/Vou embora pra Paris/ Quem sabe buscar algo novo/Misturo francês com português. As letras reforçam a intenção do filme de falar sobre uma escola brasileira, que respira a cultura francesa. Ainda, America Latina, de Mallu Magalhães, “I come from America Latina/I come from a place called SP/I’m mom of a beautiful menina/Paçoquinha e picolé” dá mais um toque internacional à trilha. As músicas trazem um estrangeirismo divertido que agregam sentidos, sensações, ambiências, funcionam muito bem no filme. “A grande arte no cinema […] se dá a cada vez que a emoção e o pensamento nascem de uma forma, de um ritmo, que não poderia existir senão através do cinema” (BERGALA).

O documentário foi lançado no dia 18 de janeiro de 2023, no Cine Arte UFF, com a entrada franca. A comunidade do CIEP 449 estava presente na exibição, que foi seguida de um debate com a participação da diretora. O filme deve percorrer o circuito dos festivais internacionais, e está previsto que faça parte da programação do canal CineBrasilTV em 2023.

O filme Salut, mes ami.e.s! emociona, proporciona reflexão e mostra como a escola pública, gratuita, de qualidade, em tempo integral e com o acesso democrático resiste mesmo diante de tantos ataques.

Liliane Mutti cursou o Mestrado em Cinema na UFF e em seguida migrou sua pesquisa para o campo da educação. Participou do programa de convenção internacional em Altos Estudos sobre a América Latina, entre a UFF, a Sorbonne IV e a Nouvelle Sorbonne. Atualmente, vive na França, onde vem desenvolvendo seus trabalhos com o cinema. Em sua filmografia, o curta de ficção Ta Clarice; Elle (Prêmio DIGO, Chéries-Chéris, Brésil en mouvements); Ecocídio (Prêmio Festival Humboldt); Instant-ci (Festival de Grenoble); Sem Oxigênio (Festival de Nancy); Mulher-Multidão (Mostra Lugar de Mulher é no Cinema) e Miúcha, a voz da Bossa Nova (TIFF -Toronto).

Você pode assistir o trailer do filme aqui.

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