Por Thaissa Proença

Texto originalmente escrito por Thaissa para a disciplina Antropologia I, ministrada por Olivia Von Der Weid, voltada ao curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense.


Querida, cheguei!”

Exclama Jim a Amanda, que, de avental, está por acabar de preparar o jantar. Apressando-se durante uma ida e vinda entre a mesa e a bancada da cozinha, ela reclama que ele chegou cedo em casa, implorando que feche os olhos e fique aonde está, pois ela preparou uma surpresa. Enquanto perguntam sobre o dia um do outro, os dois demonstram ânimo com a expectativa de compartilhar as novidades durante o jantar. Tirando o avental, Amanda sorri e vai até Jim, até então parado à porta, e o guia pelas escadas até a mesa. Abertos os seus olhos, depara-se com uma mesa à luz de velas e ela deseja um feliz aniversário de casamento.

 Só que esse não é o filme em preto e branco que você imagina.

 Não. O casal sobre o qual lhes conto não é um casal. Pelo menos, não no momento presente. E, sem querer, ela cospe ovos mexidos na barba dele durante a janta.

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 De volta a sua cidade natal, os ex-namorados da época de adolescência Amanda (Sarah Paulson) e Jim (Mark Duplass) se esbarram em um supermercado e decidem tomar um café juntos, momento em que compartilham os rumos tomados em suas vidas desde a última vez que se viram, 24 anos atrás. Numa dialética entre o presente e o passado, vamos adquirindo intimidade com o que um dia foi aquela relação por meio de lembranças construídas — com uma sabedoria quase mágica — nos diálogos, jujubas coloridas, um rap de qualidade duvidosa e a preciosa dinâmica do guia de viagens do Waynie — assistam e entenderão, na hora, ao que me refiro — que expressam a sensibilidade contida na simplicidade da narrativa. Ou, o que Duplass (também roteirista do filme) chama de “tem aquela coisa de O Diário de Uma Paixão e As Pontes de Madison, mas com um pouquinho de integridade”. Em meio a isso tudo, a sensação agridoce… É uma atração real ou pura nostalgia?

 A primeira narrativa dirigida por Alex Lehmann (também diretor de fotografia), Blue Jay é mais do que um esbarro com o passado. Curiosamente filmado ao longo de apenas uma semana com uma câmera produzida para uso militar (uma Canon High ISSO ME2OF-SH, capaz de gravar imagens em HD na quase-escuridão e ideal para o baixo orçamento do filme), começou como um projeto de duas páginas e foi construindo-se com base nas experiências de vida dos membros da equipe (o que uma das produtoras chamou de ‘quase uma terapia em grupo’), na escrita e reescrita de Duplass nas noites anteriores às filmagens — como diz o escritor Neil Gaiman, toda ficção precisa de sinceridade. A irreverência de um roteiro em cima da hora e improvisação soa familiar, principalmente na quebra de um padrão com o qual estamos acostumados (basta lembrar de Godard e seus escritos em guardanapos durante as gravações de Acossado) e só confirma a visão do diretor de que sua coloração preto e branca contrasta com a tendência visualmente exacerbada dos chamados filmes indie — prova de que pode haver rupturas até no que já foge ao padrão.

 Com um clímax que não funciona para alguns, mas que, inegavelmente, rende aplausos à atuação de Duplass, o filme tem uma sensibilidade rara. A sinceridade de seu olhar documentário, a delicada trilha sonora de Julian Wass e a singularidade de Sarah Paulson que, com um sorriso, tem o poder de mudar a carga emocional de toda uma cena. Os adolescentes ridiculamente apaixonados um pelo outro — ‘ridículo’ no melhor sentido da palavra, diga-se de passagem — que constroem um mundo só deles, foram um dia esses dois adultos que tomaram rumos tão distintos após uma quase-história-sem-fim, um ciclo que parece incompleto. Traça, a cada minuto do filme, uma linha tênue entre ‘um tudo o que poderia ter sido’ e ‘os resquícios do que um dia já foi’, diferença que, passada meia hora de filme — e confesso, uma taça de vinho da minha parte — pode-se refletir se sequer existe.

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 Durante uma entrevista, Mark Duplass disse que olha para o passado, especialmente no que diz respeito ao seu relacionamento com o irmão mais velho, o diretor Jay Duplass (e também produtor de Blue Jay), e lembra-se da intensidade com a qual sentia a paixão em seus relacionamentos de irmandade, amizade e ex-namoradas. E rindo do quão ridículo suas lembranças soam, revela que sente uma certa dor de não ser mais daquele jeito: um jovem que apaixona-se ridiculamente por alguém.

“Tem algo sobre aqueles adolescentes.”

“Eles sabiam alguma coisa.”

“Magia.”

“Magia. Isso.”

Diante de nossos olhos.

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