Artigo de Rafael Alexandre da Silva Magalhães
Texto escrito originalmente para a disciplina “A Gênese do American Dream” do professor Pedro Lauria, para o programa de Cinema e Audiovisual da UFF.
Introdução
Meninas Malvadas (Mean Girls, Mark Waters, 2004) é um filme estadunidense que busca retratar em sua premissa os hábitos adolescentes – principalmente os femininos – e como tais hábitos atingem as convivências de cada uma delas quase majoritariamente de maneira negativa. Na trama acompanhamos a jovem Cady Heron (Lindsay Lohan) que sempre estudou em casa. Devido ao trabalho de seus pais, que são zoólogos, a garota passou os últimos 12 anos num local não especificado da África mas, após a mudança de sua família para os subúrbios de Illinois, Cady finalmente tem a oportunidade de enfrentar a pior selva possível: o ensino médio. Ao mesmo tempo em que acompanhamos o dilema inicial de Cady, que não conhece nada do conceito americano de adolescentes, tido tanto pelos adultos quanto pelos próprios jovens, vemos seu desenvolvimento moral diante desse novo cenário. Apesar de aparentemente ser só mais um filme sobre o ensino médio estadunidense, a obra se utiliza de um humor ácido e quase satírico para retratar o poder dos estereótipos de gênero. Uma grande ferramenta para a manutenção dos valores encontrados na cultura do subúrbio americano, foi a indústria audiovisual, envolvendo de modo majoritário a televisão mas também outros meios de mídia como rádio e a mídia impressa. Através de extensa propaganda e divulgação audiovisual, os valores do “American Way Of Life” foram sendo estabelecidos. Tendo como objeto de análise principal o filme meninas malvadas, em comparação com algumas outras obras como O Clube dos Cinco (The Breakfast Club, John Hughes, 1985), este artigo tem como objetivo realizar uma breve análise sobre como a perpetuação desses valores, por diversos meios e através dos anos, influenciou e ainda influencia os hábitos e comportamentos de toda uma geração ainda nos dias de hoje.
O subúrbio estadunidense: o palco utópico do “American Dream”
Durante os anos vinte, nos Estados Unidos, houve um grande estouro no setor imobiliário que incentivou um grande número de famílias a se mudarem para o subúrbio, devido a prosperidade aparente da época, conhecidos como “os loucos anos 20”. Porém, os avanços foram abruptamente encerrados com as consequências da crise de 1929, retornando somente nos anos do pós-guerra. Vitoriosos e encorajados pelo pós-guerra, o governo estadunidense começou a incentivar veteranos (brancos) a irem morar nos subúrbios e a constituir suas famílias. Entre 1945 e 1960, 85% das novas casas em solo estadunidense foram construídas nos subúrbios (COONTZ, 2000). Tal como a “casa própria” para o brasileiro, o subúrbio se tornou um sinônimo de estabilidade, poder e “status econômico”, construídos pensado nesses ex-combatentes, os subúrbios clássicos eram em sua grande maioria compostos de casa idênticas, construídas a toque de caixa e a preços acessíveis, por muitas vezes com subsídios dados pelo governo. Subúrbio na sua definição geográfica, refere-se às áreas que circundam aos grandes centros urbanos. Derivada da palavra inglesa suburb, que no sentido literal significa “sub-cidade”. No subúrbio, a sua população ainda sofre pela falta de infra-estrutura próxima típica das grandes cidades como hospitais, postos de saúde e delegacias. Por possuir essa característica de isolamento somadas a outros fatores como a já citada falta de infra-estrutura, o subúrbio é responsável por desenvolver toda uma cultura própria e quase independente, com um modelo baseado em casa, carro, família, trabalho e consumo, se consolidando como o auge da realização do “American Dream”.
Porém, a discussão que se tem sobre o subúrbio vai muito além de seu surgimento como espaço físico. Ao abordarmos o papel do subúrbio no cinema e na cultura estadunidense de maneira geral, e como isso influencia na ideia do que seria a adolescência em tal cultura, nos deparamos com uma importante questão. O que de fato constitui o subúrbio? Pois a constituição de subúrbio é algo que, para alguns, como já citado anteriormente, pode ir muito além de suas características como espaço físico, mas atingindo também o âmbito social.
“(…) não existe um consenso inteiramente crítico sobre o que exatamente constitui um subúrbio. (…) Seria ele uma entidade física ou uma área social? Se ambos, o que determina a forma e o peso dos componentes em cada definição? (…) Ainda não foi alcançado consenso sobre essas questões, se é que algum dia haverá”. (FORREST et al., 2017, p.5)
Esse debate acaba por assumir tamanha proporção devido a tudo que o subúrbio representa para essa cultura, tendo em vista que o ele termina por se tornar não só a representação do “American Dream” e também, de certa forma, um dos principais espaços onde esse sonho se materializa, sendo terra fertil a sua manutenção tanto física quanto cultural. Tendo como bases um estilo de vida extremamente consumista, o subúrbio costuma estar vinculado a certos valores além do consumo como por exemplo: a branquitude, a competição entre vizinhos, os papéis de gênero e os padrões de performatividade.
“O subúrbio simboliza a personificação mais completa e não adulterada da cultura contemporânea [estadunidense]; é uma manifestação de características fundamentais da sociedade americana como o consumo, a dependência do automóvel, a capacidade de ascender socialmente, a separação da família em unidades nucleares, a divisão cada vez maior entre trabalho e lazer e uma tendência à exclusividade racial e econômica.”
(JACKSON, 1987, p.15)
Logo é possível afirmar que o subúrbio possui papel fundamental para a cultura americana como vemos hoje, e como isso inclui também o cinema e várias obras que surgiram ao longo do tempo. Ao fazermos uma breve análise de toda sua história e das propagandas e mídias através dos anos, fica clara a importância da mídia para a manutenção desse espaço e de seus valores e ideias, visto que a televisão veio a se tornar um pilar de sustentação de todo esse pensamento e seu meio de vida. Pois era através de um massivo uso de propaganda televisiva que os hábitos consumistas eram fortemente incentivados, além dos padrões nucleares de famílias “margarina”, em que cada membro da família tinha seu papel previamente definido socialmente. Ao ter contato com esse material continuamente e sem ter outros meios de acesso a outros modelos, esses ideais acabaram facilmente estabelecidos. O que também contribuiu para agregação de significado, pois enquanto fosse possível sonhar com essa ideia utópica de subúrbio, mais a população iria trabalhar para sua manutenção. Afinal, como diz a frase atribuída a Walt Disney: “Se você pode sonhar, você pode fazer.”.
O High School: A Problemática imagem da adolescência e os filmes teen
As imagens de jovens e adolescentes vieram a se tornar objeto de interesse da mídia e da indústria de entretenimento por volta dos anos de 1950, pouco depois do surgimento do conceito de teenager. O termo passou a ter uso mais comum a partir da década de 1944 por influência de uma revista americana voltada para o público adolescente chamada Seventeen. De acordo com Savage, a palavra tenta dar conta de uma nova definição do jovem como parte de um mercado de massa identificável (SAVAGE, 2009:484). Porém com o passar dos anos o termo ganhou ainda mais força devido a continuidade da aparição dos jovens na indústria midiática. Hoje ao se pensar sobre o mesmo podemos facilmente gerar uma imagem do que nos remete a esse grupo ao qual o termo se refere.
A origem do termo estava na forma flexionada de “ten”, dez, que, segundo o Concise Oxford Dictionary, era “acrescentado” aos numerais de três a nove para formar os nomes daqueles de 13 a 19. (…) “Teenage tinha sido usado livremente depois de meados dos anos 1930, muitas vezes hifenizado como teen-age, enquanto tentativas para promover alternativas canhestras como “teener” e “teenster” fracassaram. (…) Dar nome a alguma coisa às vezes ajuda a lhe conferir existência: adotado tanto pelos profissionais de marketing para jovens como pelos próprios jovens, o nome teenage era claro, simples e dizia o que significava. Tratava-se da Era – o período distinto social, cultural e economicamente – dos teen. (SAVAGE,2009: 484-485)
Desde filmes como o próprio Meninas Malvadas (Mean Girls, Mark Waters, 2004), Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, John Hughes, 1986) até obras mais contemporâneas como Gossip Girl (2007-2012), sempre existe uma retratação dos teenagers com vários elementos em comum. Muitos dos conceitos e valores do subúrbio influenciaram e ainda se fazem presentes nesse imagético. Com a criação de obras “suburbanistas”, entre as quais os filmes teen estadunidenses costumam se encaixar, estando sempre em harmonia com o estado e a mentalidade da população à época, esse imagético do comportamento teen acabou por ser imortalizado na indústria. “Existem muitas semelhanças entre Hollywood dos anos 1980 e 1950. Ambos os períodos viram uma economia em expansão (…) Não por acaso, as duas décadas são também as mais prolíficas em termos de produção de filmes para adolescentes” (Nelson 2017: 12 ). Esse tipo de filme acaba por sempre colocar os jovens no mesmo locus social, um ambiente, geralmente escolar, onde sempre há grande competitividade, formação de grupos e ou exclusão social, com base em fatores como extrema riqueza, capacidade física e a beleza, que tem como parâmetro de medida um padrão estético predeterminado. Algo que está alinhado aos valores clássico da cultura do subúrbio, gerando um percurso de sentido intencional, no imaginário dos jovens.
Um excelente exemplo a ser citado do gênero é o filme “O Clube dos Cinco (The Breakfast Club, John Hughes, 1985)”, que exemplifica a estrutura de comportamento encontrada nos jovens da época, que foram sendo perpetuadas e passadas à frente através das gerações tanto na vida real como no cinema. Apresentando em seu conflito central o jovem, e como ele transita na sua jornada pelo processo de amadurecimento, físico, psicológico e muitas das vezes moral. Numa tentativa de encontrar seu lugar num mundo deixado por um geração anterior, que não só o danificou, como também se mostra extremamente ineficiente em entender as questões e necessidades desse jovem, ressaltando uma extrema incompetência das figuras de autoridade. Figuras essas que podem ir desde os próprios pais até professores, diretores inclusive autoridades legais, questões mais abordadas nos filmes de rebeldia. Também traz à tona algo já mencionado que são os padrões de performatividade, reforçados pelos arquétipos de personagens como o nerd, o atleta, a patricinha e o bully. Padrões que geraram, e ainda geram, auto reconhecimento nesses jovens, que replicaram esses comportamentos dentro da sua realidade social.
Há sempre estabelecido também uma grande necessidade de afirmação e reconhecimento, que acarretam muitas vezes por virem atrelados ao desprezo a tudo que não se submete a esse regime pré estabelecido de consumo e da própria imagem em relação ao julgamento do outro, hábito sempre apoiado sob um fetichismo extremamente narcisista de si mesmo. Quando paramos para pensar, tudo faz com que ressaltamos negativamente as diferenças entre nós. Nestes produtos existe sempre uma perseguição ao status de popularidade como imperativo para realização pessoal e estabilidade, com um cenário onde tudo, até mesmo valores morais e pessoais, podem ser descartados em detrimento de atingir esse patamar. O que gera uma linha tênue, que acaba por colocar boa posição social e respeito aos valores morais em extremos opostos, quadro que vem avançando cada vez mais com avanço da tecnologia e o alcance das mídias sociais.
“(…) De forma direta, podemos afirmar que a relação entre a popularidade entre os pares teenagers como um ideal na cultura de entretenimento toca um regime de visualidade que valoriza a fisicalidade, o triunfo e o desejo de poder como questões centrais e em torno do que a ação se resume. Nos últimos dois séculos, os conceitos de reconhecimento e desprezo acompanharam as conquistas que reorganizaram as relações entre as classes sociais e as formas de visibilidade que estas cooptaram para si desde então na esfera pública. (…)”
(FEITOZA, F.; 2013 p. 69)
O filme Meninas Malvadas é cercado de arquétipos de personagens, como a patricinha, representada pela personagem Regina George (Rachel McAdams), que também assume o papel de bully, o arquétipo da “loira burra” representado pela personagem Karen Smith (Amanda Seyfried) e o arquétipo do atleta popular, representado pelo personagem Aaron Samuels (Jonathan Bennett). O poder de reconhecimento é tamanho que mesmo antes de os personagens chegarem a ter aprofundamento, ou até mesmo falas, podemos facilmente reconhecer seus arquétipos. A personagem Regina exemplifica perfeitamente as características referentes a popularidade, pois como vemos no filme, nada é negado a ela, o que incentiva seu comportamento fútil e desvio de caráter social. Quanto ao que tange a busca por aceitação, um exemplo excelente vem a ser a mãe de Regina, a Srta. George (Amy Poehler), que busca sempre se manter jovem, não só na aparência como nos modos, sempre reforçando o arquétipo de “mãe descolada” e nada restritiva, visando ser aceitação não só do grupo de garotas como um todo, como da própria filha.
Quando a noção de teenager se integrou completamente ao cotidiano americanos a partir dos anos 1950, as retratações referentes a esse público, tanto no seu novo comportamento esperado, foram aos poucos adequadas ao conservadorismo presente nas imagens dos subúrbios, tanto adorando o consumismo e a juventude, em obras de comédia televisivas como Leave it to Beaver e Papai Sabe Tudo, como trazendo alerta sobre uma questão muito debatida nos filmes de rebeldia, a ameaça juvenil aos valores tradicionais e bons costumes pelos jovens delinquentes. Em especial no cinema, representados em filmes como Juventude Transviada (Rebel without a cause, Nicholas Ray, 1955), Young and Wild (William Witney, 1958), A Fúria dos Jovens Maus (The Party Crashers, Bernard Girard, 1958) e Sementes da violência (Blackboard Jungle, Richard Brooks, 1955). Com o enfraquecimento dos laços familiares, efeito colateral da urbanização, visto que os homens passavam muito tempo fora trabalhando e as mulheres se viam sobrecarregadas pelos afazeres domésticos, houve por parte dos jovens a necessidade da busca de novos modelos e novos meios sociais. Ou seja, o que antes era encontrado no seio familiar, transmitido entre as gerações, agora é encontrado entre seus pares, e as gerações anteriores (pais e avós) passam a ser um exemplo do que não se seguir. Em decorrência disso o jovem passa a ter todo um novo meio social, com novos exemplos, referências e também sua própria mídia. Visto que com a separação do núcleo familiar em subgrupos, passam a existir mídias cada mais mais voltadas a esses determinados grupos, a televisão que antes simbolizava a união familiar, agora trazia a divisão das gerações, gerando reflexos no mercado audiovisual.
Com a queda do então cinema clássico, durante a década de 1950, houve o que Feitoza chama de ‘juvenilização’ dos conteúdos fílmicos. A crescente de interesse dos grandes estúdios pelos teenpics (filmes adolescentes) passa até mesmo a ser objeto de pesquisa de autores como Thomas Doherty (1988).
“(…) Em seu livro Teenagers and Teenpics: The Junvenilization of American Movies in the 1950s, ele realiza um levantamento histórico desse gênero fílmico com foco na economia da indústria cinematográfica e repensa os teenpics em quatro sub-categorias: Rock’n Roll teenpics; Dangerous youth teenpics; Horror teenpics e finalmente os Clean teenpics. (…)”
(FEITOZA, F.; 2013 p. 72)
Essa última categoria por ele citada, merece uma atenção especial, e nos interessa bastante, pois ela é responsável por trazer os jovens não só ainda mais para o centro do foco da indústria de entretenimento, como também por trazer uma representação desse mesmo jovem fora desse meio de rebeldia, visto até então em circulação no início da década. Apresentando e com isso abriram espaço para a transformação do High School como cenário também importante para o estabelecimento de relações psicossociais. Nestes filmes, a rebeldia não era vista como um problema, mas como uma característica comum presente nas narrativas, quase como uma regra, se tornando um comportamento normalizado. A imagem do jovem era fortemente colocada em oposição ao conformismo e as figuras familiares, numa tentativa de gerar interesse e a aproximação desse jovem mais rebelde, com essa determinada imagem, visto que também em parte refletia uma situação bastante comum aos jovens da época, portanto sendo de fácil identificação por parte desse grupo.
Um filme que é considerado a época um marco dessa representação teen, trazendo uma percepção já não tão negativa para com as figuras femininas em comparação com muitos de seus antecessores, é o já citado “O Clube dos Cinco (The Breakfast Club)”, que foi reconhecido como um dos que melhor retrata a geração teen de 1980, já que aparentemente retrata a angústia incompreendida e as questões adolescentes de maneira excelente, em tempos de dominância do sarcasmo e a banalização dos mesmos problemas, que pela sua excessiva exploração por parte da indústria acabaram caindo no comum, ao invés de se voltar para busca de uma solução. Além de claro, o filme traz à tona também as questões de gênero e arquétipos já citados anteriormente que se tornaram base na mídia. Clube dos Cinco antecede todo um conceito do que seriam os filmes teen e de suas representações de identidade, sendo um antecessor de uma corrente de filmes e seriados televisivos que vieram a transformar o High School Film em um produto de entretenimento aclamado pelo público e pela própria mídia.
A Importância do Feminismo: A problemática de gênero em Mean Girls
As questões de gênero e performatividade sempre estiveram presentes na retratação do adolescente na mídia, principalmente quanto ao gênero feminino. Assim como afirma Bordo “com o advento do cinema e da televisão, as imagens da feminilidade passaram cada vez mais a ser transmitidas culturalmente através do desfile de imagens visuais padronizadas” (BORDO, 1977, p. 54). O acesso a essas imagens, como já citado anteriormente, foi uma ferramenta muito bem utilizada para propagar todo um modelo de comportamento esperado do gênero feminino, tanto pelos homens quanto pelas próprias mulheres, num intuito de manter viva a cultura machista da mulher “bela, recatada e do lar”. Mostrando essa mulher do lar sempre numa posição de “mocinha” enquanto a figura da mulher que se opõe a isso tanto no empoderamento do próprio corpo, como na independência do matrimônio e da figura masculina socialmente, costumavam ser mostrados em posições antagônicas, como por exemplo os arquétipos da prostituta, a bruxa e a encalhada, entre muitos outros. Felizmente através dos anos e com os avanços na sociedade, muitas obras vieram a surgir trazendo a figura feminina em novos papéis e com um pouco mais de equidade.
A obra Mean Girls se utiliza justamente dessas imagens e arquétipos, através de humor bastante ácido e tiradas satíricas a obra se volta justamente para as questões de gênero envolvidas na cultura suburbanista americana. O filme aborda várias dessas importantes questões sociais, ainda que vistas de um ponto de vista potencialmente machista, entre as quais algumas podem ser mencionadas com maior destaque. Uma delas, muito bem objetificada pelo ‘Livro do Arraso” é a extrema competitividade feminina, a escrita de Tina Fey (famosa humorista e roteirista da obra) traz atenção ao fato que a falta de um pensamento feminista coletivo, e de soridade feminina é aterradora. Ao nos apresentar, Cady Heron, uma garota que até o momento não fazia parte desse meio e não conhecia o comportamento esperado, permite a nós telespectadores fazermos os mesmos questionamentos e aprendizados sobre o comportamento feminino do ensino médio americano, de uma maneira mais inclusiva, sem nos sentirmos constrangidos ou afastados da maneira de pensar de Cady. E um comparativo feito pela própria personagem é entre as semelhanças do ensino médio com uma selva, onde predomina o mais forte, nesse caso o mais influente, e tanto dentro e fora dos próprios grupos de gênero existe extrema competitividade. Ressaltando, a princípio negativamente, as diferenças entre as figuras femininas dentro de suas particularidades. Um importante paralelo que também pode ser feito entre esse filme e outras obras suburbanistas, é como a personagem de Lindsay Lohan que apesar de étnica e racialmente inserida (ela é branca e ruiva), ocupa muito bem esse papel do “Outro” (ou da “Outra”), um alguém que vem de fora, não familiarizado com o meio, e que possui modos totalmente diferentes, e acaba por ameaçar a normalidade daquele universo até então pacifico.
Outro ponto importante levantado pela obra cinematográfica é a presença e a influência do machismo na visão da mulher, tida não só pelo gênero masculino quanto pelas próprias mulheres em muitos momentos. Elemento muito bem exemplificado na visão de como as adolescentes femininas se comportam no filme, apesar de haverem várias tribos diferentes no universo escolar, parece existir também padrões de comportamento feminino que perpassam por todos esses grupos. Alguns deles são o comportamento extremamente insinuante e sexualizado, a extrema perseguição estética, que é sempre colocada em lado oposto à inteligência, quase como forças antagônicas, no caso da própria protagonista. Essa visão diferenciada entre figuras de poder masculina e femininas, se faz perceptível no fim do filme onde o caos é causado, entre as adolescentes femininas, por Regina George (Rachel McAdams) , mas a palavra de ordem junto com a lição de moral, que é dada somente para as mulheres na cena em questão realizada no ginásio da escola ao fim do filme, vem a princípio de uma figura masculina de autoridade, o diretor. Somente quando falha em se comunicar com esse grupo de alunas, recorre a ajuda de uma figura feminina, a personagem da Srta Norbury (Tina Fey), mostrando ineficácia da autoridade presente.
Não poderíamos abordar o levantamento de todas essas questões sobre a figura feminina dentro da obra sem ressaltar a escrita de Tina Fey, cujo humor continua funcional, mesmo após a passagem de tanto tempo desde o lançamento da obra. Vale destacar que a perspectiva feminina de Tina Fey foi responsável, por exemplo, por fazer uma profunda alteração no roteiro original. Na versão original do roteiro, a senhorita Norbury perde o emprego injustamente, pois são encontradas drogas de um aluno em sua gaveta. Portanto, depois da competição de matemática de Cady e seus colegas, todos vão ao conselho da escola tentar convencer os diretores de que a professora não era uma traficante. A ideia no roteiro original seria que o próprio Kevin G (Rajiv Surendra) confessasse a posse das drogas, mas o menino acabaria fugindo, obrigando Damian a fazer o discurso final, fingindo que as drogas eram suas. Sendo assim, o famoso discurso motivacional de Cady ao final da obra não existiria. A mudança desta cenas mostra a importância da visão de Fey na retratação da figura feminina, pois é nesta cena que Cady, após ser nomeada rainha do baile tem um momento de reflexão sobre suas ações e durante seu discurso de posse, toma uma importante decisão: partir a coroa de plástico. Este ato em si não só traz mais força ao seu discurso de valorização de todas as meninas, independente de características físicas ou sociais, mas também ao se referir ao objeto como “apenas plástico” faz uma crítica ao grupo de amigas. Afinal, ela demonstra que o grupo é tão frágil quanto a tiara e toda a perseguição por status não passa de ilusão. Graças a escrita de Fey nos trazer cenas como essas que o filme demonstra perceber as consequências negativas presentes na propagação desses arquétipos de comportamento e padrões de gênero, pois ao mostrar as atitudes tomadas por essas mulheres, permite a geração futura a possibilidade de reflexão e discussão acerca do tema, o que leva a busca por novos modelos e parâmetros mais saudáveis.
Considerações
Mesmo trazendo algumas construções divergentes, Meninas Malvadas, é um exemplo de como a cultura do subúrbio se faz presente nos filmes adolescentes mesmo diante da virada do século, 50 anos após o primeiros “filmes adolescentes”. Assim, a obra demonstra o grande peso que essa cultura teve (e ainda tem) na formação da imagem do que é a adolescência estadunidense. Nesse sentido, contextualizando à sua época, Meninas Malvadas serve como uma boa crítica e exposição de como a perpetuação de estereótipos e representações influenciou no modo como toda uma geração enxerga a si mesma e o que espera de sua juventude, incluindo aí um grande apego e saudosismo da era de ouro do sonho americano – carregando certos ideais de “felicidade” ou de “normalidade” típicos de produções da década de 1950 ou 1980. Porém, apesar de carregar todas essas questões, a obra também destaca algumas mudanças no retrato da adolescência e traz críticas ácidas à sociedade estadunidense, justificando sua relevância cultural até hoje.
Referências
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